Monday, November 13, 2006

opinião

Coimbra: cultura e vida urbana
Isabel Nogueira
[Março de 2006]

Não se sabe ao certo se o clima e a topografia de um local serão realmente influentes na maneira de ver o mundo, de estar na vida e de fazer cultura da gente que o habita, mas, se for verdade, a vida cultural coimbrã está em estreita relação com a sua envolvente topográfica e urbanística: acidentada, confusa, de costas voltadas entre si, com alguma falta de estruturação, com desaproveitamento, entre o velho – não sinónimo de antigo – e o novo, com uma acrópole dominante – a Universidade –, mas com a feliz surpresa de se irem sempre descobrindo, de quando em vez, coisas novas – becos antigos e nichos modernos.
Coimbra tem o magnífico dom de despertar consciências e talentos, mas o estigma de os ver partir. Claro que sabemos que não podiam ficar todos por cá, uma vez que também não é suposto uma cidade ter a obrigatoriedade de escoar todos os recursos humanos que forma. Porém, uma fatia considerável devia ficar. Mais, essa fatia não devia partir quase sempre pelos mesmos motivos: desalento e desencanto perante uma cidade que, face ao privilegiado lugar geográfico que ocupa no país, face às pessoas que por cá passam, e face às expectativas que cria nos estudantes, podia ser quase tudo e não o é. Parece existir uma barreira inquebrável entre o pensar e o agir, entre o querer fazer e o fazer, e entre o individual e o colectivo. A cultura só faz sentido se circular, se for partilhada, mas só existe se for construída e trabalhada. O nada gera nada. Os textos de gaveta, as telas em branco – e não estamos a falar de suprematismo nem de conceptualismo –, as ideias na mente, não têm qualquer operacionalidade enquanto forem “poder vir a ser”. Uma sociedade e uma cultura não podem, nunca, alicerçar-se no “poder vir a ser”, no “está previsto ser”, no “está a pensar fazer-se”, e por aí fora… Há que agarrar o momento, que poderá ser único e o tempo é breve.
Não importa agora imputar responsabilidades. Estas são, em última instância, de todos nós: eleitores, abstencionistas, desertores, conformistas, desinformados, desinteressados, chefes autárquicos, portadores de cartas doutorais, artistas sem obra, jornalistas invertebrados, fazedores de opinião, possuidores de veículos de alta cilindrada aparcados em cima dos passeios, atendedores de telemóveis durante os espectáculos, comentadores de filmes no acto de projecção, destruidores de parques infantis, individualistas, ociosos, vaidosos, sonhadores, enfim, humanos… Coimbra precisa de criar uma dinâmica que nos envolva a todos. E essa dinâmica deverá começar pela vivência do espaço, concretamente do espaço cultural. Não é por acaso que, noutras cidades do país, se nota cada vez mais uma preocupação em dotar os espaços de infra-estruturas de qualidade e de aparência estética agradável. Coimbra tem diversos espaços interessantes, tais como: o Museu dos Transportes – outro “poder vir a ser” museu, o qual até à data nunca foi –; a Oficina Municipal do Teatro; o Convento de S. Francisco – mais um “está previsto ser” centro de congressos e afins –, todos pertencentes à Câmara Municipal de Coimbra; o Teatro Académico de Gil Vicente, pertencente à Universidade de Coimbra; o Centro de Artes Visuais; o Pavilhão Centro de Portugal, o Teatro da Cerca de S. Bernardo – mais um “está previsto” funcionar em pleno –, também pertencentes à Câmara Municipal, entre outras estruturas.
Contudo, Coimbra precisa de duas estruturas de base, as quais contemplem características específicas e fundamentais, que nenhuma das estruturas anteriormente referidas, ou das outras que já existem, possuem. Trata-se de um teatro municipal, capaz de albergar todo o tipo de espectáculos, simples ou complexos, com ou sem orquestra, para muitos e para poucos espectadores, para muitos ou para poucos artistas. Coimbra precisa igualmente, e com urgência, de um local com as condições (temperatura, segurança, humidade, luz, espaço) para exposições de artes plásticas. Estes locais têm que criar dinâmica com a cidade e com as pessoas, incrementando a qualidade de vida e a cultura. E deixamos aqui a vontade de olhar para o futuro, mas do que para o passado, que já foi. Apontemos a direcção para a frente, sem mágoa nem sebastianismo, concretamente para a candidatura à Capital Europeia da Cultura. Coimbra tem história, tem experiência com a Coimbra 2003 e tem pessoas. Mas, concretizemos, não fiquemos no “poder vir a ser”. O momento é breve e é este.

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