Monday, November 13, 2006

opinião

Coimbra Capital Nacional da Cultura 2003: aproveitar as “lições” do passado
João Paulo Dias
[Outubro de 2003]



O projecto de Coimbra Capital Nacional da Cultura 2003 (CCNC) foi lançado pelo então Ministro da Cultura José Sasportes no encontro A Cultura em Coimbra (Janeiro de 2001), organizado pelo Grupo de Cultura da Pro Urbe, nas sessões preparatórias do Congresso de Coimbra. Este encontro, que gerou bastante polémica, embora, nalgumas situações, por más razões (provincianismo, ignorância ou má-fé), permitiu, desde logo, identificar as grandes carências em termos culturais da cidade de Coimbra, que aqui recordo sinteticamente: infra-estruturas limitadas e deficientemente apetrechadas; programação descoordenada e estratégia de apoios pouco clara e desequilibrada; e dificuldades de captação de novos públicos e de divulgação dos eventos.
Da CCNC não se esperava, logicamente, a resolução destes problemas, mas antes que contribuísse para a tomada de consciência dos responsáveis sobre a importância, em termos económicos, sociais, culturais e mesmo políticos, que este sector pode e deve ter em Coimbra. O impulso que a CCNC veio dar, na dinâmica cultural e no debate público, é indesmentível, ainda que a “linha orientadora” deste evento nunca tivesse sido definida. No entanto, também permitiu “pôr a nu” as dificuldades que tinham sido inventariadas e que, entretanto, ainda não foram resolvidas. Senão vejamos. No que respeita a infra-estruturas culturais, Coimbra ganhou o Centro de Artes Visuais e a Oficina Municipal do Teatro (bem como o futuro teatro no Pátio da Inquisição e o Pavilhão de Hannover), mas a realidade diz-nos que os grandes eventos continuam a ficar à porta, isto é, de uma situação de carência geral de espaços, arriscamo-nos a ter demasiados pequenos espaços e nenhum grande espaço. Além disso, estes projectos são de iniciativa da Câmara Municipal de Coimbra, tendo surgido sem qualquer coordenação com a CCNC. Falta, contudo, garantir os meios humanos e financeiros necessários, assim como projectos claros e abertos ao(s) público(s), para que estes espaços tenham uma existência estável e garantam a vitalidade que todos esperamos. Esperemos que a CCNC deixe, entretanto, as “raízes” de um projecto estruturante a este nível.
A programação e divulgação cultural era o segundo problema levantado. Neste âmbito, a CCNC veio trazer um grande dinamismo, com uma programação de qualidade, embora com alguns desequilíbrios, assegurando um ano rico e diversificado. Contudo, fica a dúvida do que acontecerá nos próximos anos. Isto é, não havendo uma aposta estratégica na consolidação de projectos locais (profissionalização, fixação de recursos humanos, diversificação de financiadores), na coordenação de entidades em termos de programação e na inclusão de Coimbra, de forma sustentável, nos circuitos nacionais e internacionais (em parte, pelas dificuldades atrás apontadas), torna-se difícil prever futuro melhor do que sucedeu no Porto no pós-2001. Além disso, parece excessivo o protagonismo da CCNC ao incluir na sua programação actividades que ocorrem com regularidade, de modo a “encher” o seu calendário. A forma pouco clara como foi construída a programação, sem um grande concurso público, à imagem do que sucede com as políticas de financiamento cultural das várias entidades em Coimbra, também contribui para que as opções tomadas sejam questionáveis. A opção por “programar” em vez de “desenvolver” pode, assim, ter consequências nefastas. Esperemos que não.
O terceiro constrangimento pode ser o que se supere com mais facilidade, dada a resposta do(s) público(s) aos eventos culturais que vêm sendo apresentados em Coimbra. Com efeito, a prova de que Coimbra suporta e aspira a actividades culturais com qualidade, mesmo acontecendo num ritmo elevado, é a afluência do público (onde se nota o surgimento de públicos diversificados). Havendo uma divulgação mais forte e cuidada, como sucede com a CCNC, a resposta do público a uma maior qualidade e diversidade cultural tem sido clara e inequívoca. Esta situação prova que Coimbra pode e deve ter, mais e melhores, infra-estruturas e recursos humanos e financeiros para a cultura, podendo a cultura tornar-se, inclusivamente, um forte motor de desenvolvimento económico que complemente a acção da Universidade e do sector da saúde compensando a falta de dinâmica do sector empresarial. Quanto à divulgação dos eventos culturais, não fosse a estratégia integradora da CCNC na sua programação, e continuaríamos com a “pulverização” habitual de eventos mal divulgados. Esperemos que este exemplo seja tido em consideração no pós-CCNC.
Desejamos, por fim, que aquando da realização do debate de reflexão, em Janeiro de 2004, pelo Grupo de Cultura do Conselho da Cidade, denominado “E depois da Festa?” as respostas a estas dúvidas estejam dissipadas, e que permitam, se não resolver os problemas no imediato, pelo menos contribuir para a sua resolução a médio prazo. Esperemos, então, que aprenda com as “lições” do passado, pois Coimbra está a provar que merece mais e melhor cultura. Assim seja!

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