Monday, November 13, 2006

opinião

Coimbra 2004[texto publicado no Público, Fevereiro de 2004]


O Grupo da Cultura do Conselho da Cidade promoveu no dia 24 de Janeiro o debate Coimbra 2003: e depois da festa? para discutir os efeitos da Capital Nacional da Cultura e descobrir novas pistas de reflexão e intervenção. Mais de uma centena e meia de cidadãos fizeram questão de marcar presença, comprovando que Coimbra possui suficiente massa crítica para encarar a cultura como elemento-chave na definição de uma estratégia para o seu desenvolvimento.
Inevitavelmente, uma parte significativa do debate foi centrada na forma como decorreu a Capital da Cultura, confrontando os resultados obtidos com os objectivos inicialmente delineados em áreas como a programação, o desenvolvimento de públicos, a formação, as infraestruturas, entre outros. Detemo-nos, por agora, em algumas das ideias lançadas sobre o futuro da cidade.

As ausências
Não fora a qualidade e a profundidade das intervenções e este debate ficaria para a história como o debate das ausências.
O Ministro da Cultura apresentou um argumento formal que temos dificuldade em compreender: sendo certo que os relatórios não estão ainda concluídos e que pode fazer sentido apresentar o primeiro balanço oficial da Coimbra 2003 na Assembleia da República, nenhuma dessas razões impedia a sua presença. Pelo contrário, a riqueza da discussão que aqui teve lugar ter-lhe-ia fornecido elementos importantíssimos para a sua própria reflexão. Por outro lado, o seu regresso a Coimbra já em 2004 seria um sinal de que o Ministério continua interessado em participar no desenvolvimento cultural desta cidade. Esse sinal não foi dado.
O Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, em deslocação oficial ao estrangeiro, enviou-nos uma comunicação escrita que apresentámos à audiência. Foi notada, no entanto, a ausência de qualquer representação da autarquia, oficial ou oficiosa, numa iniciativa que reuniu os principais responsáveis e agentes culturais da cidade. Confirmado o interesse do Presidente pela matéria em questão, ficaram por provar o interesse e o empenho do restante Executivo.
Mas nem só na mesa foram notadas ausências importantes. A Coimbra 2003 assentou, recorde-se, num consórcio de várias instituições que, em tempo de festa, fizeram questão de afirmar a sua dedicação à cultura: Universidade de Coimbra, Comissão de Coordenação, Instituto Politécnico, Fundação Bissaya-Barreto, ACIC, Clube dos Empresários. Agora que a festa acabou, apenas a primeira se fez representar. Um (outro) mau sinal, que esperamos que possa ainda vir a ser corrigido.

Um pacto de cidade
Estas ausências são preocupantes sobretudo tendo em conta a necessidade (identificada no debate) do envolvimento de um leque diversificado de agentes e instituições, locais e nacionais, na definição de uma estratégia para a cidade. Aquilo a que, de uma forma mais directa, Carlos Fortuna e António Augusto Barros chamaram de “pacto de cidade” mas que tanto João Maria André como Seabra Santos consideraram igualmente essencial.
Um “pacto” que exige a iniciativa dos agentes culturais e apela ao seu sentido de responsabilidade e à sua capacidade de elaboração e execução de projectos, mas que não poderá nunca prescindir da participação activa, solidária e co-responsável dos órgãos de poder. Naturalmente, a Câmara Municipal de Coimbra assume aqui um papel decisivo: porventura mais importante do que a sua contribuição financeira, é o lugar de pivot, que só ela pode ocupar, na ligação ao Governo Central, definindo e reivindicando para Coimbra o estatuto de pólo cultural de referência que sem dúvida tem condições intrínsecas para assumir. Para que não sejam inconsequentes as palavras que justificaram Coimbra como “natural” primeira escolha para as Capitais Nacionais da Cultura; para que sejam denunciados os inaceitáveis argumentos segundo os quais Coimbra “já recebeu muito” em 2003 e que agora é a vez de outras cidades; para que não se esbanje o investimento que apesar de tudo a Coimbra 2003 cativou para a cidade; para que as “capitais” possam efectivamente servir de instrumento a políticas culturais sustentadas.
Um “pacto”, ainda, que deverá alargar-se à sociedade civil, às empresas, às fundações, à população em geral. Não por uma questão de benemerência, mas porque a cultura é, de facto, o único destino possível para esta cidade. É o nosso maior recurso e o único que estamos ainda a tempo de rentabilizar – para benefício próprio, naturalmente, mas também (e é doloroso que seja preciso explicá-lo) para benefício de todo o país.
Um “pacto”, finalmente, que não se compadece com concepções arcaicas da cultura “de mão estendida”, no seio do qual responsáveis políticos, agentes culturais e sociedade civil se encarem como verdadeiros parceiros e saibam aproveitar os recursos de cada um em nome de objectivos comuns. Um “pacto”, afinal, de confiança.

Cinco ideias-chave
Quais as bases, então, em que poderá assentar este “pacto”? Em que se sustenta este “destino cultural” que reivindicamos? Que estratégia concreta para o perseguirmos?
Elencamos cinco ideias-chave que consideramos essenciais, apresentando-as como pistas para um trabalho a médio-longo prazo mas que exige algumas acções imediatas:
1) apostar na formação de qualidade, ao nível médio e superior, na área artística e nas áreas que com ela se relacionam directa ou indirectamente: técnica, produção, gestão cultural, marketing cultural, turismo, entre outras;
2) investir na recuperação e valorização do(s) património(s) únicos que distinguem esta cidade: o seu centro histórico, naturalmente (independentemente de quaisquer classificações internacionais, ou antes mesmo de nos preocuparmos com elas), mas também os acervos museológicos, bibliográficos e outros que permanecem longe do conhecimento do público;
3) aprofundar a dotação da cidade em termos de equipamentos culturais qualificados, no âmbito de um plano estratégico que preveja atempadamente os respectivos programas de ocupação e gestão, de acordo com as principais carências e potencialidades da cidade e dos agentes que nela actuam;
4) criar condições de estabilidade para o desenvolvimento da actividade das estruturas profissionais de criação artística, sem deixar de incentivar o aparecimento de novos projectos (rentabilizando o imenso potencial de uma cidade jovem e universitária) e valorizando a riqueza associativa na área da cultura e recreio existente no concelho e na região – a diferenciação de objectivos e necessidades e, consequentemente, de estratégias de intervenção, será o primeiro passo para a definição de um plano eficaz, que articule estes três sectores;
5) potenciar e manter aberto um diálogo franco entre instituições públicas e privadas, agentes culturais e responsáveis políticos, entendendo a cultura como espaço privilegiado para o exercício da cidadania, experimentando fórmulas como o “Observatório das Artes” proposto pela Universidade de Coimbra.

E depois da festa?
Ninguém esperaria deste debate respostas definitivas à pergunta que ele próprio colocava. Conseguiram-se, apesar de tudo, boas pistas de trabalho, que vale a pena perseguir e aprofundar. O Grupo da Cultura do Conselho da Cidade manter-se-á naturalmente atento, participativo, contributivo. Os agentes culturais e os cidadãos que participaram no debate provaram igualmente que continuam empenhados em ajudar a cidade a assumir um papel decisivo no desenvolvimento cultural do país.
Esperemos, então, que os maus sinais que este debate também trouxe a público não passem disso mesmo e não sejam sintomas de uma ressaca anunciada. Até porque o sucesso da Coimbra 2003 será medido pelo que conseguirmos que seja a Coimbra 2004. Pelo menos aí ainda vamos a tempo.

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