Monday, November 13, 2006

opinião

Intervenção no Congresso
Pela Cidade. Uma Carta Constitucional para Coimbra

João Gouveia Monteiro
[26 de Maio de 2001]



O texto que seguidamente se apresenta corresponde a uma reflexão final do Grupo de “Cultura e Turismo” da Pro Urbe, que, desde inícios de 1999, tive o prazer de coordenar. Funciona como um complemento ao relatório discutido no Encontro “Coimbra, cultura. Um olhar para crescer”, realizado no auditório do IPJ, nos dias 19 e 20 de Janeiro de 2001, perante uma plateia numerosa e animada.
Desse dossier foi, entretanto, aprontada uma segunda versão, que inclui significativos melhoramentos em vários sectores, para além de um relatório inédito, sobre as Artes
Plásticas e a Fotografia em Coimbra. Actualmente em fase de ultimação (de forma a poder acolher ainda alguns importantes contributos exteriores à Associação), a variante final desta segunda versão será colocada on line durante o próximo mês de Julho e será disponibilizada a todos (instituições ou particulares) que desejem consultá-la. É este o nosso contributo para a vida da cidade, não pretendemos daí retirar outros dividendos, a nossa única preocupação foi a de ajudar a estudar e a conhecer melhor a vida cultural de Coimbra, as suas potencialidades, os seus principais constrangimentos, os caminhos que melhor podem iluminar o seu futuro.
Falo, portanto, em nome de um grupo relativamente numeroso de pessoas, de idades, interesses e ocupações variados, que, ao longo dos últimos dois anos e meio, dedicou muito do seu tempo livre a este projecto e que, conhecendo-lhe à partida, melhor do que ninguém, as limitações e as fragilidades, se orgulha de o ter levado até ao fim. Oxalá a cidade queira tirar partido dele. Pensamos, sobretudo, nas instituições – oficiais ou não – com responsabilidade ao nível da promoção das actividades culturais, mas também nos seus múltiplos actores e, por que não, em todos aqueles que seguem com mais atenção a vida cultural desta cidade, porque acreditam que existe um futuro cultural para Coimbra.
Vem aí o projecto “Coimbra, Capital Nacional da Cultura” (anunciado, de resto, durante o nosso Encontro no IPJ), não podia haver melhor momento para entregarmos este testemunho, saindo discretamente de cena e abrindo a ribalta a quem a merece mais do que nós.
Queremos, a este propósito, dar conta da nossa satisfação pelo facto de a coordenação do projecto “Coimbra, Capital Nacional da Cultura” ter sido entregue a quem foi, circunstância que encontra, aliás, um notável complemento na recente e feliz resolução do problema da escolha do director do Teatro onde nos encontramos. Ao Comissário Doutor Abílio Hernandez e à sua excelente equipa, ao Director do TAGV Doutor João Maria André e aos seus colaboradores, os votos (que bem sabem serem muito sinceros) de muitas felicidades no exercício das suas novas funções.
É tempo de vos perguntar: quer a cidade de Coimbra manter e consolidar uma associação cívica como a Pro Urbe? Vale a pena continuarmos? Que estímulos e que apoios estão os cidadãos de Coimbra dispostos a garantir a uma organização como a nossa? Não temos sede, não temos funcionários, não temos uma situação financeira minimamente estável. O vasto leque de temas que acompanhamos, a necessidade de tornarmos mais preciso e mais profissional o nosso observatório, impõe que reflictamos sobre a razão de ser deste nosso Congresso e sobre o nosso futuro.

Falemos então de cultura em Coimbra…
Antes de mais, queremos dizer-vos que não há projecto cultural para Coimbra sem haver um projecto para a cidade. Um projecto urbanístico (as vias continuam a interceptar lugares, antes mesmo de sabermos como eles se relacionam entre si), um projecto social, um projecto económico. Coimbra tem esse projecto? Aliás, quem é Coimbra verdadeiramente, não o postal ilustrado, a cidade do fado e da Queima das Fitas, do Basófias e da torre da Universidade, mas a Coimbra das profundezas, centro e periferia, economia e saúde, desporto e espaços verdes, exclusão social e reencontro? Talvez tudo parta daqui.
Nos últimos tempos, uma ideia existe que se tem tornado mais clara a quem tem o vício de pensar a cidade. Cidade sem desenvolvimento industrial, de tecido empresarial muito frágil, sem a “corte” de Lisboa ou o “poder do Norte”. Essa ideia chama-se ‘um futuro cultural para Coimbra’ e escora-se em alguns bons argumentos: o enorme capital de prestígio da cidade, a sua composição social (27% no conjunto das profissões liberais e quadros dirigentes, intelectuais e científicos, e médios; 40% de quadros superiores, quadros médios e empregados com pelo menos o 9.º ano de escolaridade), o seu património construído, mais fundo ainda, o seu património intangível, de cidade de confluência de culturas e de sentimentos, a Coimbra moçárabe, do velho Sesnando da Reconquista. Coimbra, cidade de dupla centralidade (nacional e regional), terá ela um projecto melhor para si mesma do que ser uma cidade de cultura e de ciência, de saúde e de desporto universitário, de turismo de qualidade e de museus? Acreditamos que não. Na Europa, existem diversas cidades médias, universitárias, que afirmaram por aqui o seu caminho, e que são hoje verdadeiros emblemas: Cambridge, Siena, Heidelberg… De resto, as cidades médias europeias têm, regra geral, grande vitalidade. Coimbra, com os seus 30.000 estudantes do Ensino Superior, a que podemos acrescentar outros tantos de outros níveis do ensino, também podia trilhar este caminho, à sua maneira, sem perda de indentidade, antes pelo contrário, tirando partido da aura mítica que a rodeia, da história que envolve as suas colinas, da diversidade e complementaridade das paisagens da sua região. Se alguma conclusão resultou do estudo do nosso grupo sobre a cidade, é concerteza esta: em Coimbra, o futuro passa por uma grande aposta na cultura, em sentido amplo.
Esta estratégia tem, porém, os seus riscos. Em primeiro lugar, não existe cidade fora de um contexto nacional, e talvez não exista ainda hoje um estudo sério, completo, profundo, sobre o conjunto da realidade sócio-cultural portuguesa dos dias de hoje. Não existe, nem em Coimbra, nem em Portugal, uma planificação cultural a longo prazo, um diagnóstico preciso das condições exactas do património cultural e dos equipamentos, um levantamento exaustivo das necessidades, numa visão abrangente, sistematizada, coerente, à escala da administração territorial. Coimbra ressente-se disso. Tal como no país, não há em Coimbra uma estratégia cultural (não há, de resto, uma estratégia de cidade, em sentido amplo, pluri-institucional). Fazem-se coisas boas, muitas. Mas não se conhecem propriamente as prioridades, os outros ramos da árvore, as outras malhas da mesma rede. E, no entanto, em cultura como no resto, cada coisa deveria ter o seu lugar. O país é pobre, o Ministério da Cultura também: cerca de 2,5 milhões de contos por ano para o conjunto dos apoios às artes do espectáculo, é de quem não percebeu ainda que a elevação da qualidade de vida dos portugueses passa sobretudo pela educação, pela fruição cultural, e não tanto pelo betão, pelas auto-estradas (1 Km custa agora perto de 1 milhão de contos), pelos novos aeroportos ou pelos TGV’s. Tudo isto é importante, mas complementar e, sobretudo, muito menos estratégico. Desperdiçar é, portanto, proibido. Mas não é o que se vê. Como testemunhou o Arquitecto José Manuel Castanheira, presente no Encontro “Coimbra, cultura, um olhar para crescer”, no distrito de Castelo Branco, nos 120 ou 130 espaços culturais existentes (e que representam um investimento de 12 milhões de contos desde o 25 de Abril, sob a forma, seja de intervenções de raiz, seja de recuperações recente), em nenhum deles era possível apresentar um espectáculo de teatro em perfeitas condições. A URBI, por exemplo, nasceu com 4 auditórios de raiz, mas nenhum deles serve para outra coisa a não ser para dar aulas, e mesmo assim em más condições… Desta forma, é difícil que, como dizia o Ministro Sasportes no mesmo Encontro, a “casa aberta da cultura” se imponha às casas fechadas e acorrentadas da TV.
Coimbra escapa a este cenário? De modo nenhum! Quantas infra-estruturas culturais de raiz foram erguidas nesta cidade nos últimos 50 anos? Se excluirmos o TAGV, a Casa Municipal da Cultura (com toda a indefinição que rodeou o seu projecto) e o Pólo II, não fica quase nada. A solução tem passado, quase sempre, por reaproveitamentos de espaço, alguns deles excelentes, mas quase todos com limitações incontornáveis. Existe uma estratégia de cidade para Coimbra? Pela cultura, ela não passa com certeza. É que, se passasse, já se tinha dado ela. A diversos níveis. Alguém conhece um inventário completo e actualizado dos principais equipamentos culturais que existem no concelho de Coimbra (por exemplo, do número de salas, das suas capacidades e potencialidades, da existência ou não de palcos, das respectivas dimensões, do seu equipamento, das suas taxas de ocupação) ? Alguém sabe explicar-nos quais são os objectivos precisos daquilo a que Miguel Lobo Antunes chamou, no Encontro do IPJ, o “campo cultural de Coimbra”? Trata-se de facultar a cultura ao maior número de pessoas? Trata-se de privilegiar as crianças e os jovens, os estudantes universitários, as pessoas mais carenciadas, os reformados? Existe uma estratégia para isso? Definiu-se, para tal, uma política de preços? A cidade sabe exactamente o que quer, em termos de associativismo cultural ou de política museológica (excepção feita aos museus universitários)?
Pensamos que não. Portanto, torna-se necessário fazer uma avaliação por objectivos, séria e participada, seja do ponto de vista dos promotores/realizadores (CMC, UC, AAC, Escolas, grupos independentes, etc), seja do ponto de vista dos utentes (as palavras são de Adília Alarcão). A cultura da cidade não pode mais ser pensada numa perspectiva de ‘estudante’ versus ‘futrica’ (a Universidade toma conta dos primeiros, a Câmara dos segundos), essa barreira tem-se diluído, as ambições são outras, os objectivos têm de o ser também
E, no entanto, nós sonhamos ainda com um ‘futuro cultural’ para Coimbra. Deixem-nos sonhar! Mas, atenção, não sonhamos apenas com novos edifícios e equipamentos. Aprendemos há tempo que uma boa infra-estrutura cultural não é só um bom edifício: é preciso quem saiba animar esses espaços de forma profissional, para que seja possível que exista um projecto específico para cada sítio. Mas, também aqui, Coimbra falha demasiado. Existe um investimento sério na formação ou na contratação de animadores culturais? Existe carreira artística em Coimbra? Sejamos sinceros, todos sabemos que não. Em Coimbra, a aventura cultural é ‘uma coisa da mocidade’. Acaba na benção das pastas, e nunca mais regressa. Falta o salto que permite conduzir das ‘coisas giras’ às actividades culturais de tipo profissional. E atenção, porque a cultura ‘a sério’ é uma indústria, vive de agentes especializados e não de meninos talentosos, que não passam da fase do viveiro.
E por que é que Coimbra não retém os seus actores culturais, ou não atrai outros de fora? Que tem hoje Coimbra para o fazer? No plano geral, uma cidade de costas voltadas ao rio, um trânsito caótico, uma sinalética e uma iluminação deficientes, ruas pouco asseadas, muitas delas quase sem uma árvore própria (como a Miguel Torga, uma artéria dita nobre) e mal iluminadas, zonas históricas degradadas e perigosamente desertificadas, um custo tremendo na habitação, um património natural ou construído demasiado descuidado (o GAAC, a ADDAC, a recém criada Al Medina, os utentes do Choupal e de Vale de Canas, que o digam). Olhemos, por exemplo, para Guimarães, para Viana, para apenas citar dois exemplos: quanta diferença, para melhor, nas ruas, na conservação dos centros históricos…
Depois, no plano mais específico das actividades culturais, que pode Coimbra oferecer a quem pensa em fazer carreira no mundo das artes? Observemos alguns dos principais emblemas da vida cultural da cidade: os Encontros de Fotografia (talvez a única iniciativa cultural que traz actualmente gente de fora à cidade), tanto tempo à beira de um ataque de nervos, por falta de apoio financeiro; a Escola da Noite, semi-desalojada; as secções culturais e os organismos autónomos da AAC trabalhando num edifício em confrangedora decadência; outros eventos já são só recordação, como as magníficas Semanas Internacionais de Teatro Universitário…Enquanto isso, os “Encontros Mágicos” são considerados como uma “iniciativa cultural relevante” e conseguem, por via disso, um importante financiamento no quadro das disponibilidades actuais da Câmara Municipal de Coimbra. Justificar-se-á que assim seja, i.é, isso decorre de uma estratégia de prioridades assumida por quem planifica o presente e o futuro cultural da cidade?
Alguém que não seja parte interessada percebe a política de subsídios praticada pelas instituições oficiais com responsabilidade na área da cultura aos vários actores da cidade (ainda que não possa deixar de reconhecer-se que um acréscimo significativo do orçamento para a cultura tem permitido aumentar consideravelmente as actividades e reforçar os apoios a grupos, a associações e a outras entidades intervenientes na vida cultural da cidade)? Existe transparência nesses critérios, existe uma avaliação anual séria e participada, que permita recompensar quem merece e quem tem qualidade? Existe alguma articulação entre as várias instituições relativamente à concessão desses apoios?
Quem, nestas condições, desejará vir para Coimbra, ficar em Coimbra, para fazer cultura, numa perspectiva de vida, de carreira profissional, de longo prazo? Paulo Filipe? José Luís Ferreira? Leonor Barata (não leio mais nomes, só me deram 25 minutos de tempo de antena)? Existem em Coimbra projectos culturais concretos suficientemente estimulantes para atraírem à cidade actores culturais de fora dela? Se calhar podia haver, mas temos deixado que nos escapem: Orquestra Filarmónica das Beiras (Aveiro), Centro Português de Fotografia (Porto), Centro Regional das Artes do Espectáculo (Viseu); etc.
Esta escassa (para não dizer quase nula) capacidade de sedução de Coimbra sobre os agentes culturais tem as piores consequências. Antes de mais, o isolamento da cidade, que tende a virar-se para dentro, a perder as referências nacionais e internacionais, imprescindíveis à recriação permanente, que a própria ideia de cultura implica. A cidade perde, assim, a possibilidade de ter uma relação mais viva e mais directa com a contemporaneidade. Aloja-se num ‘fora de tempo’ castrador. Veja-se, por exemplo, o que sucedeu ao nível da dança contemporânea, que foi, nos anos 80 e 90, em Portugal e lá fora, talvez o movimento mais marcante, mais vivo, mais inovador, ao nível das artes de palco. Existiu em Coimbra, durante os últimos vinte anos, um cheirinho sequer desse movimento? É óbvio que não. A dança, em Coimbra, continua, injustamente, quase na fase do ghetto, e reduz-se ao ballet clássico, ao flamengo, às danças de salão, e pouco mais.

Não pensem, porém, que viemos aqui para ‘deitar abaixo’. No nosso papel de ‘critical boys’, em que fomos investidos há quatro meses, não podíamos, evidentemente, deixar de fazer alguns reparos. Mas também temos algumas ideias, algumas pistas, algumas sugestões para quem as quiser aproveitar.
Queremos, antes de mais, dizer-vos, que, antes de construir, de transformar, deveríamos reflectir um pouco mais sobre nós mesmos. Por exemplo, impõe-se que conheçamos mais a fundo a população estudantil de Coimbra, os seus hábitos culturais, a sua mobilidade. E o resto da população também, a do centro e a da periferia. O magnífico estudo realizado em 1999 nas Oficinas do CES, sobre consumos culturais nas cidades de Braga, Guimarães, Porto, Aveiro e Coimbra, fornece pistas preciosas, que deviam ser exploradas. Cidade terciária e com elevado peso de elites qualificadas, Coimbra surge destacada das outras quatro concorrentes num primeiro patamar, em matéria de intensidade e densidade dos consumos culturais. É, aliás, em Coimbra que os públicos de algumas actividades culturais assumem maior expressão. Só entre os conimbricenses se encontram várias actividades cujos públicos assumem uma expressão superior a 30%: exposições de pintura (36%); frequência de concertos rock/pop (34%); frequência de espectáculos de teatro (33%); visitantes de exposições de fotografia (31%). São as marcas da Universidade no ambiente urbano, garantindo médias mais altas de instrução e de qualificação profissional. Isto devia fazer-nos reflectir, ao pensarmos Coimbra. Para mais, vivemos num país onde, como explicam aqueles autores, a TV generalista e popular penetra virtualmente todo o universo social e onde várias indústrias culturais viradas para o grande público enfrentam barreiras sociais muito importantes (de instrução, de idade, entre outras). Um país onde, como se sabe, os públicos culturais são minoritários, mesmo dentro dos grupos sociais mais favorecidos e qualificados.
Por outro lado, Coimbra é uma cidade de jovens, já o dissemos. Quase metade da sua população (cerca de 130.000 habitantes) são estudantes, 70% dos quais ainda no Ensino Secundário (portanto, o nosso público de hoje e do futuro). Uma estratégia de desenvolvimento cultural para Coimbra tem necessariamente de ter isto em conta. O trabalho realizado na Oficina do CES (assinado por Augusto Santos Silva e por Carlos Fortuna, entre outros) mostra bem a especificidade dos hábitos culturais juvenis: maior prática desportiva, maior adesão à música moderna e à dança, maior disponibilidade e mobilidade, maior acção sobre a transformação geral dos consumos culturais e lúdicos, graças à sua ligação ao mundo do audiovisual.
Uma estratégia de desenvolvimento cultural para Coimbra tem, portanto, de se adequar a este cenário. Nas cidades universitárias portuguesas há – disse-o o Ministro José Sasportes – um certo divórcio entre a vida da cidade e a vida cultural dos seus estudantes, circunstância que talvez mereça a pena ser comprovada e interpretada sociologicamente (de alguma forma, iniciativas como a Semana da Mostra Cultural da Universidade de Coimbra têm ajudado a fomentar um diálogo cultural vivo com a cidade e, por isso, merecem muito ser acarinhadas).
Depois, há que encarar de frente a questão das infra-estruturas e dos equipamentos culturais. Que diabo, quanto tempo mais vai a cidade esperar por ter uma alternativa que seja ao Teatro Gil Vicente? Como disse recentemente o meu amigo João Maria André, Coimbra foi ‘Capital Nacional do Teatro’ há nove anos, mas continua com uma única (que me perdoe o meu amigo João Fernandes) verdadeira sala de espectáculos. E ainda há quem não desconfie das ‘capitais’ disto ou daquilo! Depois do desaparecimento do Teatro Sousa Bastos, uma sala houve que desapareceu duas vezes em 15 anos (o Teatro Avenida), um novo espaço (aberto) foi construído (o controverso Queimódromo), e nada mais. Comissário Hernandez, por favor, se não tiverem tempo de fazer mais nada, pelo menos contrariem este pesadelo. Até porque, se tudo correr bem, e para além da aquisição (esperemos que definitiva) do nosso Pavilhão em Hannover para o Parque de Ciência, Cultura e Lazer, e também da montagem de um Pavilhão situado ao lado do Quartel dos Bombeiros, Coimbra poderá ter dentro de dois anos dois novos espaços culturais: o Teatro do Pátio da Inquisição e o Teatro Municipal. Quanto a este último, esperamos que os especialistas (i.é, os arquitectos) sejam ouvidos (só eles podem conceber correctamente um bom teatro) e que as legítimas expectativas dos actores não sejam frustradas. É também preciso que haja um debate público sobre a localização, a configuração e a contextualização deste novo espaço (afinal, não é o povo o nosso melhor arquitecto?). O exemplo do que se passou relativamente ao Teatro da Inquisição não é de molde a dissipar os nossos receios.
Não pensamos, contudo, só em espaços vocacionados para as chamadas artes de palco, performativas. Coimbra não pode continuar sem espaços e sem equipamentos condignos para acolher eventos tão importantes (que o futuro Palácio dos Congressos não poderá receber) quanto a Expovita, a CIC, a Feira do Livro ou o Salão Automóvel. O recurso sistemático às tendas na Praça da República é uma coisa que deveríamos deplorar, tanto quanto o turista que nos visita deplora a estação ferroviária que o acolhe à chegada ao seu novo destino. Triste fidalguia a nossa.
Mas o problema não está só nos grandes espaços. É também fundamental que a cidade acarinhe os pequenos equipamentos culturais, espaços de respiração, de inovação, de laboratório, como lhes chamou José Luís Ferreira no Encontro do IPJ. A maior parte da produção teatral portuguesa faz-se em salas de pequena dimensão, numa escala de 200 a 400 lugares. Espaços com a qualidade, por exemplo, de um Auditório Nacional Carlos Alberto. Coimbra precisa também deste tipo de espaços, porventura será mesmo neles que deverá fazer a sua maior aposta. Qual teria sido a história do TEUC e do CITAC, sem os seus pequenos teatros de bolso? Na minha opinião, eles são tão importantes quanto a ampla sala em que nos encontramos (ainda que esta também precise de um arranjo, ao menos no circuito de som, nas cadeiras – que são ainda as de origem, apesar de restauradas – e no palco). Portanto, há pequenas salas que têm de ser, o mais possível, acarinhadas (penso, por exemplo, no auditório do IPJ) e cadáveres que não podemos mais alumiar. Um deles, que me revolta todos os dias, é o Teatro Paulo Quintela, na minha própria Faculdade de Letras. Numa Faculdade que tem um Instituto de Estudos Teatrais, uma Sala de Cinema, um Mestrado de Ciências Musicais, diversas cadeiras destas três especialidades, numa Faculdade que vai abrir em 2002-2003 uma licenciatura em Estudos Artísticos, como é que se pode admitir o protelamento da reforma do Paulo Quintela? Existe um projecto excelente, assinado pelo Arquitecto Fernando Távora e no qual especialistas como o João Mendes Ribeiro trabalharam arduamente, por que razão ele continua por executar? É preciso fazer uns ajustamentos, criar uma saída independente, garantir um bengaleiro e uma cafetaria? Muito bem? Há solução para isso, ou não há? Se há, de que é que estamos à espera há uma quantidade de anos? Se não há, por que razão não se fez um outro projecto? Peço aqui à Reitoria da Universidade (e em particular ao nosso Vice-Magnífico Reitor, Professor Seabra Santos, que sei estar bem atento a este problema) que se empenhe até ao fim no resgate deste novo Tolan, cuja degradação, além de um contrasenso, é um atentado à pobreza e uma ofensa ao nome do grande mestre Paulo Quintela.
Fundamental nos parece também que os numerosos projectos anunciados pela Senhora Vereadora da Cultura para a renovação dos espaços culturais de Coimbra sejam concretizados em tempo útil. E que se esclareça exactamente o destino de alguns desses espaços, para que depois não tenhamos de chorar a ausência de algumas valências fundamentais (penso, por exemplo, na falta que faz um auditório na Casa Municipal da Cultura, um espaço de que gosto particularmente, pela localização, pelo ambiente, pela belíssima Imagoteca que devemos ao Dr. Alexandre Ramires, pelo ternura de uma Ludoteca de que ninguém consegue não gostar). Deste ponto de vista (o da concretização dos projectos da Câmara), parece-nos que seria muito bom se a Rede de Anexos da Biblioteca Municipal pudesse começar a ser realmente implementada até ao final do ‘Coimbra, Capital da Cultura’ (esperamos também pela concretização da Biblioteca de Santa Clara), que o Museu dos Transportes fosse também resgatado da indignidade em que sucumbe há tanto tempo (ou então que o projecto seja definitivamente enterrado) e que as várias peças do futuro Museu da Cidade fossem articuladas num todo intencional ao serviço da cultura coimbrã: Edifício Chiado, Sala da Cidade, Torre de Anto (estas duas, sede de exposições regulares bastante interessantes), Torre de Almedina… Quanto a esta última, os meus votos de historiador de que a dupla mudança de sede do valioso espólio documental do Arquivo Municipal (da Almedina para a Casa da Cultura, e daqui para Montes Claros) se faça em condições da maior segurança e rapidez.
É claro que, ao falarmos de tudo isto, estamos também a falar de dinheiro. De dinheiro municipal e, sobretudo, de dinheiro do poder central (ao que se sabe, sonhar com o mecenato cultural é, a não ser em grandes projectos que não cabem nas fronteiras de Coimbra, esperar a ‘visita do anjo’). A autarquia, só por si, não pode fazer face à maior parte das despesas (pode é planear correctamente, estabelecer democrática e inteligentemente as prioridades, reivindicar do Estado aquilo a que temos direito). Mas, sobre dinheiro, não foi o Ministro Sasportes que anunciou no nosso Encontro de Janeiro que o Programa Operacional da Cultura constituirá uma oportunidade excepcional, com a dotação de cerca de 2 milhões de contos por ano, durante um período de seis anos? Será que, nesta fortuna, não há uns algarismos à esquerda do cifrão que possam ser encaminhados para Coimbra?
De qualquer maneira, também devemos dizer que pensar na construção, ou (hipótese menos interessante), na reconversão dos espaços culturais, não é a única forma de pensar a questão dos equipamentos que servem a cidade de Coimbra. É claro que há projectos de sonho, que todos gostaríamos de ver realizados. Eu, por exemplo, sonho, noite sim, noite não, com a retirada da Penitenciária do coração cultural de Coimbra. Como já dizia o meu avô materno, aos presos, tanto se lhes faz estar detidos na Rua de Tomar como na Pampilhosa do Botão. Além disso, se a Penitenciária dali saísse, seria a própria segurança da cidade a beneficiar com isso. Ora, se o terreno para o novo edifício já foi pensado, avaliado, então por que não se avança com a ideia? Se a ‘Capital Nacional da Cultura’ pudesse dar um jeitinho, daríamos decerto régias alvíssaras de gratidão ao seu Comissário. Vocês já viram o que poderia ser um espaço daquela dimensão e naquele lugar ao serviço do ‘futuro cultural de Coimbra’, por muitos problemas de reconversão arquitectónica que pudesse suscitar?
Admito, no entanto, que possa haver dificuldades. Há, como disse, outras soluções para a questão dos equipamentos culturais. Uma delas pode, por exemplo, passar pela inclusão de Coimbra em redes mais amplas, a uma escala, digamos, regional. Se a Orquestra Filarmónica das Beiras parece ter sido, a este respeito, uma boa oportunidade que se perdeu (Aveiro já tem hoje uma boa rotina de consumo de música clássica, et pour cause), outras poderão aproveitar-se. Também aqui, a centralidade de Coimbra pode e deve ser rentabilizada.
A uma outra escala, neste caso mais concelhia, também se deveria incrementar a existência de bons ‘espaços de produção’ servindo vários grupos culturais (p.ex: as companhias de teatro, que em Coimbra já são mais de uma dúzia). Refiro-me, designadamente, a complexos bem projectados, integrando salas de ensaio e adereços, ateliers de guarda-roupa, espaços administrativos, entre outros. Mesmo que aí se não produzissem espectáculos, isso prestaria um serviço inestimável às companhias e configuraria um complemento estupendo para uma rede de teatros e cine-teatros. Actualmente, em muitos grupos de teatro, é nas casas e nas garagens particulares dos actores ou dos responsáveis pelos grupos que se abriga o material indispensável à produção dos espectáculos. Querem coisa mais terceiro-mundista, para mais numa cidade que se diz ‘da cultura’ e ‘dos museus’?
Da mesma forma, os espaços culturais não nos parece que devam ser concebidos como simples ‘mercados’. Deseja-se, ou deveria desejar-se, que o público seja também actor, e, para tal, complementos como bares, restaurantes, livrarias, locais de encontro, etc., deveriam ser valorizados nos novos equipamentos a projectar. Penso, por exemplo, no papel nuclear que cumpre, aqui no TAGV, um espaço como o foyer do primeiro piso…

Agora, também é bem verdade que só as infra-estruturas não resolvem, por si sós, o problema (ou, pelo menos, todos os problemas). Mesmo em Coimbra, onde a carência delas é dramática (e, neste ponto, ainda que caricaturalmente e contra a autorizada opinião do ex-director do CCB, um espaço que pertence a outra galáxia, mantemos que a superação desta carência poderia, em Coimbra, optimizar em 200% a actividade cultural da cidade).
E quais são então as outras faces do poliedro? Em primeiro lugar, uma aposta forte na formação. Não há ‘futuro cultural’ para Coimbra se essa aposta não for, de imediato, levada a sério. O auto-didactismo deve, portanto, ir cedendo o seu lugar à formação. Como, a propósito da música, explicava Rui Vieira Nery, na sua intervenção no Encontro do IPJ (e notem bem a quantidade de referências que, sem esforço algum, eu já fiz a esta iniciativa, que alguns consideraram uma ofensa à cidade e uma perda de tempo), tem de ser dada uma prioridade absoluta à formação: no plano geral (das creches à Universidade, em termos curriculares e extra-curriculares); no plano vocacional (i.é, em termos de formação de profissionais especializados – intérpretes, compositores, investigadores, formadores, animadores, programadores, etc. – seja no Conservatório, seja na Universidade); e no plano da formação contínua (ou seja, do associativismo cultural, da alfabetização musical, na linha da velha e boa tradição pedagógica de Coimbra). Esta formação deverá, ao mesmo tempo, garantir a diversidade das linguagens nacionais (da música clássica ao rock de garagem – que é particularmente relevante em Coimbra – , incluindo as mornas – pensamos no Espaço Lusófono) e não poderá deixar de ser acompanhada da criação de estruturas de produção estáveis, ao nível da prática musical e dos espaços (seja nas bandas amadoras e nos grupos de fado, seja nos grupos profissionais, e incluindo sempre equipas técnicas adequadas, ao serviço de uma estratégia cultural bem definida).
Como se vê, esta questão da formação entronca directamente no problema da programação cultural. Aí, seguindo sempre o raciocínio de Rui Nery, pensamos que a intervenção dos poderes públicos deve ter sobretudo em linha de conta a necessidade de viabilizar os géneros minoritários, diversificando a programação e os públicos, cruzando esses públicos (através do alargamento da oferta), abrindo caminho à inovação. Se a função do programador é ‘levar as pessoas a sair de casa’, ela não pode descurar uma tridimensionalidade essencial: tem de abrir-se às grandes correntes internacionais (sob pena de ser parola e provinciana); deve assumir um padrão nacional (as redes regionais são boas, mas cumprem outras funções: equipamentos, divulgação, publicidade); e não pode desprezar as tradições locais (que em Coimbra, em vários domínios, como a música e o teatro, são extremamente ricas).
Não se pretende, com isto, sugerir que a vida cultural da cidade se torne numa alucinação, num frenesim. É óbvio que isso não é possível. Um dos nossos grandes desafios consistirá, justamente, em privilegiar a regularidade dos eventos culturais de qualidade, em vez da quantidade dos eventos culturais de gosto duvidoso. Importa criar boas rotinas, bons hábitos culturais (mesmo que com uma oferta mais reduzida), mais do que provocar picos de espectáculos, separados por grandes brancas na oferta. Por isso, temos sempre dito que eventos de qualidade como o Festival Internacional de Música, o Festival José Afonso, os Ciclos de Quartas de Jazz, os Caminhos do Cinema Português (atenção à crescente notoriedade deste festival) e, de certa maneira, também as Noites de Verão (os espaços ao ar livre, assim como alguns espaços históricos, têm, de resto, sido uma boa e imaginativa aposta cultural da edilidade), assim como pelo menos algumas das noites da Queima das Fitas, são acontecimentos que devem ser privilegiados na nossa programação cultural. O efeito de stop and go (como é, por exemplo, provocado em localidades que recebem, no Verão, grandes festivais de música, mas onde depois, no resto do ano, a oferta cultural é escassíssima) não se recomenda, nem se deseja para Coimbra.
É claro que este apoio pressupõe uma escolha, uma selecção, uma estratégia toda feita de intenção, que é o que, no nosso modesto entender, falta sobretudo em Coimbra. Servindo-nos das palavras de João Maria André, no recente debate sobre a política cultural autárquica promovido pela CDU, “apesar do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pelo Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Coimbra, falta ainda uma estratégia para a cultura em Coimbra baseada em opções de fundo, estruturada a partir do estabelecimento de objectivos e assente numa macrovisão do desenvolvimento das infra-estruturas e dos recursos humanos qualificados que darão corpo a essa estratégia. Falta, no fundo, a articulação da cultura com um projecto de cidadania. (…) É urgente, em Coimbra, aproximar a Rua Pedro Monteiro da Praça 8 de Maio (…) Por mais que se empenhem os responsáveis pelo Departamento da Cultura e da sua Casa Municipal, por mais iniciativas que promovam, não haverá uma efectiva política cultural enquanto a cultura não invadir todos os gabinetes da Câmara Municipal (e também, claro, do seu Presidente), e não for a alma de cada uma das políticas sectoriais e, assim, a coluna vertebral da sua coerência e da articulação da sua pluralidade interventiva”.

Finalmente, gostaríamos de referir ainda dois aspectos, que nos parecem essenciais para a melhoria da vida cultural coimbrã: a coordenação e a divulgação. Quer-nos parecer que há transversalidade a menos, diálogo a menos, logo, coordenação a menos, entre as instituições com responsabilidade na matéria. Isso nota-se, por exemplo, no carácter desorganizado, casuístico, da política de apoios aos diversos grupos e actores culturais. Seria, assim, importante que a Câmara Municipal, a Delegação Regional do Ministério da Cultura, a Universidade de Coimbra, a Comissão de Coordenação da Região Centro e a Região de Turismo do Centro organizassem melhor esse diálogo, criassem alguma sinergia em torno da actividade cultural de Coimbra, uma sinergia que permitisse o parto da ‘indústria cultural’ de que a cidade necessita, se quiser construir por aí o seu futuro. Complementarmente, outras associações e estruturas (como o INATEL, o GAAC, a ADDAC, o IPJ, o Centro de Emprego e Formação) ganhariam espaço para uma intervenção mais regular e sustentada, e até mais ‘dirigida’ a problemas concretos e, por isso, porventura mais eficaz.
Neste enquadramento, subscrevemos inteiramente as palavras de Adília Alarcão, quando esta refere, em resposta a um inquérito do “Público”, ser desejável que a autarquia não se comporte como um ‘agente cultural’, mas sim como fomentadora e coordenadora de estratégias de mobilização e de financiamentos, de obtenção de equipamentos, de fixação de artistas, de técnicos, de promotores e programadores, de desenvolvimento de novos hábitos culturais e de actos criativos.
Entretanto, dificilmente se rejuvenesce e se reorganiza a nossa agenda cultural sem um novo impulso ao nível da promoção e da divulgação dos espectáculos. Isso é fundamental para se conseguir o tal efeito de ‘levar o espectador a desligar a televisão e a sair de sua casa’. A oferta cultural em Coimbra tem de ter, não só mais dimensão e mais regularidade, como também muito mais visibilidade. Tem, para isso, de se admitir que a promoção da ‘indústria cultural’ que reivindicamos para Coimbra exigirá um investimento elevado (Eduardo Prado Coelho estimou-o em cerca de 40%). É preciso utilizar estratégias de comunicação e de sedução eficazes, suportar os custos elevados da promoção e da publicidade (que podia ser muito mais bem coordenada), atitudes indispensáveis para contrariar uma certa imprevisibilidade e, por vezes, escassez do público de Coimbra. Por outro lado, é óbvio que temos de ganhar a batalha da comunicação social. O que, a este respeito, João Figueira escreve no seu pequeno relatório incluído no nosso dossier é extremamente revelador…

É tempo de concluir. Viemos aqui propor um ‘futuro cultural’ para Coimbra. Ou seja, que se construa um ‘projecto de cidade’ para Coimbra que passe sobretudo pela cultura, pela ciência, pela saúde, pelo turismo. A grande riqueza de Coimbra é, creio que ninguém duvida disso, o seu património cultural (móvel e imóvel), entendido este, não como realidade fossilizada e estática (as palavras são de Eduardo Prado Coelho), mas como plataforma viva, incentivadora, económica e estética, situando-se num plano que deverá sempre ser de vanguarda. Este fabuloso potencial não está hoje devidamente aproveitado. E é pena. A integração estratégica de uma política patrimonial e museológica em Coimbra, a criação de circuitos turísticos inovadores (ampliando os actuais percursos pelas memórias da nossa tradição literária e dos nossos escritores, em boa hora iniciados pela Câmara), abririam um novo futuro à cidade. O turismo é hoje a maior indústria do mundo. No seu seio, o turismo cultural é já um agente dinâmico da maior importância, que transforma grandes cidades (como Bilbao) e pequenas povoações (como Mértola). Coimbra tem adiado a profissionalização desta aposta, que pressupõe, não apenas medidas pontuais, mas um estudo sério, a identificação clara de objectivos e de prioridades, e uma estratégia de angariação e dispêndio de meios financeiros coerente e rigorosa. A condição letrada de cerca de 50% da população de Coimbra, a sua elevada componente juvenil, a existência regular de Congressos, a possibilidade de elevar a urbe a uma posição ímpar no contexto do desporto universitário, justificam, entre muitos outros argumentos, esse esforço.
Esta progressão permitiria, talvez, a Coimbra, um novo enquadramento na rede activa das cidades europeias, ao mesmo tempo que lhe permitiria desempenhar um outro papel de dinamização no seu próprio espaço regional e local (o que implicaria também um novo olhar e uma nova relação com a periferia, sendo por isso mesmo urgente a concretização da anunciada rede cultural concelhia e a sua rápida dignificação).
Que papel pode desempenhar, na complexidade deste puzzle, o projecto ‘Coimbra, Capital da Cultura?”. Em nosso entender, e antes de mais, um papel de ignição, de catalização de uma nova atitude de Coimbra relativamente à sua vida e ao seu projecto de cidade. É preciso fazer estudos, avaliar bem as possibilidades e os meios, escutar opiniões, confrontar experiências, sem o provincianismo de recusar os forasteiros e admitindo que há ainda demasiadas questões para as quais ninguém conhecerá respostas definitivas. Depois, é preciso começar a construir, pelos alicerces. O Comissário do evento, Professor Abílio Hernandez, disse, numa entrevista às “Beiras”, ser necessário que “no fim da festa, haja novos profissionais na área da cultura e afins, como as novas tecnologias ou o turismo cultural”; acrescentou que “é preciso deixar pessoas apetrechadas”, “cimentar os públicos que já existem e criar novos públicos”, abraçar grandes projectos, como o Centro de Arte Contemporânea (será o reencontro da cidade com as artes plásticas e a arquitectura?), o Teatro Municipal, ou o Parque de Ciência, Cultura e Lazer (ao menos o Pavilhão de Hannover); falou ainda na consolidação de eventos de qualidade, a maior parte dos quais já por nós referidos mais acima.
Oxalá tenha meios, tempo e – disso não duvidamos – equipas para tudo isso. Pela nossa parte, consideramos que demos, ao longo destes dois anos e meio, o contributo que estava ao nosso alcance. O que não significa que não continuemos activos, naquela postura que Rui Nery apelidava de “esperança democrática” e que é própria da circunstância de sermos “agentes fundamentais da democracia”. Duma democracia representativa, que só existirá plenamente quando e enquanto houver, verdadeiramente, uma vontade de cidadania activa nos nossos corações.

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