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Wednesday, November 29, 2006
Thursday, November 23, 2006
notícia
"Uma coincidência bizarra"
Manuel Maria Carrilho considerou ontem uma "coincidência bizarra" o facto de o relatório do estudo "A Economia da Cultura na Europa", encomendado pela Comissão Europeia, ter sido publicado numa altura em que, em Portugal, se volta a falar de subsidiodependência dos criadores culturais.
O ex-ministro da Cultura falava na conferência de encerramento do Colóquio "Cultura e Comunicação Social", organizado pela Reitoria e pelo Instituto de Estudos Jornalísticos da Universidade de Coimbra, que decorreu nesta cidade nos últimos dois dias.
Na apresentação do orador, João Gouveia Monteiro, pró-Reitor para a Cultura da Universidade, referiu-se ao mandato de Carrilho enquanto membro dos governos liderados por António Guterres (1995-2000), afirmando que ele "deixou saudades - em Coimbra e não só".
Uma selecção da cobertura noticiosa do evento pode ser consultada aqui.
Monday, November 20, 2006
notícia
De acordo com uma notícia publicada no Diário Digital (já recolhida no nosso dossier de imprensa), a ministra da cultura manifestou a intenção de realizar em Portugal, no segundo semestre de 2007, a terceira conferência cultural "Dar uma alma à Europa".
A iniciativa dá sequência às duas Conferências de Berlim (2004 e 2006) e decorrerá no âmbito da presidência portuguesa da UE. O discurso proferido por Durão Barroso (que vinha traduzido no Expresso desta semana) está disponível aqui.
A iniciativa dá sequência às duas Conferências de Berlim (2004 e 2006) e decorrerá no âmbito da presidência portuguesa da UE. O discurso proferido por Durão Barroso (que vinha traduzido no Expresso desta semana) está disponível aqui.
Friday, November 17, 2006
Observatório de imprensa
JANEIRO a MARÇO de 2007
Festival regressa em Março com nova geração de "bluesmen"
Ana Luísa Barroso, Diário As Beiras, 23/02/2007
O Festival Internacional de Blues de Coimbra decorre entre os dias 15 e 17 de Março e inclui seis concertos, uma mostra de filmes temáticos e uma exposição retrospectiva. (...)
O papel da "Classe Criativa" na nova agenda de mudança
Francisco Jaime Quesado, Público, 29/01/2007
Ana Luísa Barroso, Diário As Beiras, 23/02/2007
O Festival Internacional de Blues de Coimbra decorre entre os dias 15 e 17 de Março e inclui seis concertos, uma mostra de filmes temáticos e uma exposição retrospectiva. (...)
O papel da "Classe Criativa" na nova agenda de mudança
Francisco Jaime Quesado, Público, 29/01/2007
A mensagem aí está, muito clara. Davos 2007 veio confirmá-lo. Na nova agenda da globalização dinâmica o papel da “classe criativa” é essencial para a capacidade sustentável das Nações manterem níveis de competitividade adequados à sua matriz interna. Quem o não fizer, corre o risco de perder terreno nesta agenda de mudança. Portugal não escapa à regra. Em tempo de novas apostas, muito centradas no discurso dos factores dinâmicos de competitividade, a “classe criativa”, de que nos fala Richard Florida, tem um papel essencial a desempenhar. Sob pena de se adiar para sempre a ainda possível oportunidade de agarrar o futuro. (...)
Davos 2007: lições para Portugal
Público, 29/01/2007
As conclusões da edição deste ano do Fórum de Davos não podiam ser mais evidentes. A nova agenda discutida à volta
do lema “The Shifting Power Equation” não deixa margens para dúvidas relativamente à urgência de equilibrar com convicção as tendências de evolução no optimismo pretendido no crescimento económico. Se as “vozes dos líderes” partilham dessa pretensa consensual “ideia estratégica”, já não é tão claro que a “voz das pessoas” sintonize de forma assumida a dimensão do alcance deste novo paradigma.
É aqui que entra a “classe criativa”. (...)
Davos 2007: lições para Portugal
Público, 29/01/2007
As conclusões da edição deste ano do Fórum de Davos não podiam ser mais evidentes. A nova agenda discutida à volta
do lema “The Shifting Power Equation” não deixa margens para dúvidas relativamente à urgência de equilibrar com convicção as tendências de evolução no optimismo pretendido no crescimento económico. Se as “vozes dos líderes” partilham dessa pretensa consensual “ideia estratégica”, já não é tão claro que a “voz das pessoas” sintonize de forma assumida a dimensão do alcance deste novo paradigma.
É aqui que entra a “classe criativa”. (...)
Thursday, November 16, 2006
notícia
Foi ontem apresentado o relatório do estudo "A Economia da Cultura na Europa", encomendado pela Comissão Europeia. Ele demonstra os contributos directos e indirectos do sector criativo e do sector cultural para o desenvolvimento europeu.
Para além da cobertura da imprensa, o documento integral pode ser consultado aqui.
Para além da cobertura da imprensa, o documento integral pode ser consultado aqui.
Observatório de imprensa
OUTUBRO a DEZEMBRO de 2006
Comentadores podem corromper a opinião pública
Paulo Cardantas, Diário de Coimbra, 23/11/2006
Manuel Maria Carrilho enumerou uma série de razões para justificar a ausência de informação cultural nos órgãos de comunicação social. As críticas mais acesas foram para os comentadores.
Manuel Maria Carrilho enumerou uma série de razões para justificar a ausência de informação cultural nos órgãos de comunicação social. As críticas mais acesas foram para os comentadores.
Licenças televisivas: ERC "passou uma esponja" sobre "crimes e faltas graves"
Ana Luísa Barroso, Diário As Beiras, 23/11/2006
Manuel Maria Carrilho criticou, ontem, em Coimbra, o desinvestimento na cultura. E recordou que esta área contribui mais para o PIB europeu do que o sector automóvel.
Manuel Maria Carrilho criticou, ontem, em Coimbra, o desinvestimento na cultura. E recordou que esta área contribui mais para o PIB europeu do que o sector automóvel.
Televisões devem ser obrigadas a transmitir assuntos culturais
Carlo Santos, Diário de Coimbra, 22/11/2006
Santos Silva propõe alargamento das obrigações de difusão cultural aos operadores privados de televisão. Porém, sustenta que nenhuma transmissão se substitui à frequência das salas de espectáculo.
Santos Silva propõe alargamento das obrigações de difusão cultural aos operadores privados de televisão. Porém, sustenta que nenhuma transmissão se substitui à frequência das salas de espectáculo.
A imprensa que não divulga e os professores que fogem aos espectáculos culturais
Carlo Santos, Diário de Coimbra, 22/11/2006.
O pró-reitor para a Cultura da Universidade de Coimbra, João Gouveia Monteiro, afirmou, ontem, que "duas razões principais" levaram à realização do Colóquio "Cultura e Comunicação Social". Por um lado, a "progressiva degradação do domínio da língua portuguesa" por parte dos jovens (pobreza de vocabulário, péssimo domínio da sintaxe da língua e incapacidade para exprimir de forma límpida ideias relativamente simples): por outro, o "confrangedor" espaço dedicado à cultura nos media portugueses - com "excepções muito honrosas", disse.
O pró-reitor para a Cultura da Universidade de Coimbra, João Gouveia Monteiro, afirmou, ontem, que "duas razões principais" levaram à realização do Colóquio "Cultura e Comunicação Social". Por um lado, a "progressiva degradação do domínio da língua portuguesa" por parte dos jovens (pobreza de vocabulário, péssimo domínio da sintaxe da língua e incapacidade para exprimir de forma límpida ideias relativamente simples): por outro, o "confrangedor" espaço dedicado à cultura nos media portugueses - com "excepções muito honrosas", disse.
Cultura é para todos
Vasco Garcia, Diário As Beiras, 22/11/2006
O ministro dos Assuntos Parlamentares defende obrigações culturais para todos os operadores de televisão, no sentido da defesa da língua e cultura portuguesas.
O ministro dos Assuntos Parlamentares defende obrigações culturais para todos os operadores de televisão, no sentido da defesa da língua e cultura portuguesas.
Governo quer criar linhas de apoio para pequenos projectos culturais
publico.pt/Lusa, 22/11/2006
A ministra da Cultura anunciou hoje que o Governo pretende criar, a partir de 2007, linhas de apoio a pequenos projectos e indústrias culturais, ao abrigo do próximo quadro comunitário de apoio.
Isabel Pires de Lima falava à agência Lusa, em Castro Verde, no último de três dias de visita ao distrito de Beja, integrada na iniciativa "Cultura Presente", no quadro da qual se propõe percorrer todas as regiões do país.
Defendendo "novas políticas culturais descentralizadas", a governante disse que, no âmbito do Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN) para o período 2007-2013, "estão a ser desenhados instrumentos que vão permitir ao Governo, já a partir do próximo ano, apoiar pequenos projectos culturais".
"Trata-se — explicou — de linhas de apoio ao desenvolvimento de pequenos projectos e indústrias culturais, que cabem perfeitamente na filosofia do QREN, que privilegia investimentos nas áreas da qualificação e criação de competências".
Entre os projectos passíveis de serem apoiados, a ministra apontou "a criação de rotas culturais nas regiões deprimidas do interior, para cruzar os patrimónios ambientais e culturais com as tradições específicas". Como exemplo, a governante citou o projecto-piloto de apoio ao Cante Alentejano, a lançar em 2007, que prevê a apresentação de uma candidatura a Património Cultural Imaterial da Humanidade.
Em Castro Verde, onde visitou a Basílica Real, Isabel Pires de Lima aceitou o repto do autarca local, Fernando Caeiros, para candidatar aquela Igreja a Monumento Nacional.
Em declarações à Lusa, Isabel Pires de Lima fez um balanço "positivo" da visita, mostrando-se "surpreendida" com alguns projectos, que considerou "êxitos no âmbito da salvaguarda e valorização do património".
Entre segunda-feira e hoje, Isabel Pires de Lima esteve em metade dos 14 concelhos do distrito de Beja, onde inaugurou um museu, e visitou bibliotecas, cine-teatros, pontes romanas, igrejas, museus e exposições, além de ter assistido a um espectáculo de teatro e ouvido grupos corais alentejanos.
A ministra da Cultura anunciou hoje que o Governo pretende criar, a partir de 2007, linhas de apoio a pequenos projectos e indústrias culturais, ao abrigo do próximo quadro comunitário de apoio.
Isabel Pires de Lima falava à agência Lusa, em Castro Verde, no último de três dias de visita ao distrito de Beja, integrada na iniciativa "Cultura Presente", no quadro da qual se propõe percorrer todas as regiões do país.
Defendendo "novas políticas culturais descentralizadas", a governante disse que, no âmbito do Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN) para o período 2007-2013, "estão a ser desenhados instrumentos que vão permitir ao Governo, já a partir do próximo ano, apoiar pequenos projectos culturais".
"Trata-se — explicou — de linhas de apoio ao desenvolvimento de pequenos projectos e indústrias culturais, que cabem perfeitamente na filosofia do QREN, que privilegia investimentos nas áreas da qualificação e criação de competências".
Entre os projectos passíveis de serem apoiados, a ministra apontou "a criação de rotas culturais nas regiões deprimidas do interior, para cruzar os patrimónios ambientais e culturais com as tradições específicas". Como exemplo, a governante citou o projecto-piloto de apoio ao Cante Alentejano, a lançar em 2007, que prevê a apresentação de uma candidatura a Património Cultural Imaterial da Humanidade.
Em Castro Verde, onde visitou a Basílica Real, Isabel Pires de Lima aceitou o repto do autarca local, Fernando Caeiros, para candidatar aquela Igreja a Monumento Nacional.
Em declarações à Lusa, Isabel Pires de Lima fez um balanço "positivo" da visita, mostrando-se "surpreendida" com alguns projectos, que considerou "êxitos no âmbito da salvaguarda e valorização do património".
Entre segunda-feira e hoje, Isabel Pires de Lima esteve em metade dos 14 concelhos do distrito de Beja, onde inaugurou um museu, e visitou bibliotecas, cine-teatros, pontes romanas, igrejas, museus e exposições, além de ter assistido a um espectáculo de teatro e ouvido grupos corais alentejanos.
Portugal organizará conferência sobre cultura europeia
Diário Digital/Lusa, 18/11/2006
Portugal vai organizar na presidência portuguesa da União Europeia, no segundo semestre de 2007, a terceira conferência cultural «Dar uma Alma à Europa», dando sequência a um debate iniciado há dois anos em Berlim.
Portugal vai organizar na presidência portuguesa da União Europeia, no segundo semestre de 2007, a terceira conferência cultural «Dar uma Alma à Europa», dando sequência a um debate iniciado há dois anos em Berlim.
O impacte económico da cultura
Amílcar Correia, Público, 16/11/2006
A cultura, ou a sua indústria cultural, é uma variável de desenvolvimento económico. O investimento na cultura, em países como Portugal, onde é fortemente dependente do Estado e dos municípios, não pode ser aplicado de forma cega e deve ter em conta um retorno. Mas também não pode desaparecer por qualquer capricho.
A cultura, ou a sua indústria cultural, é uma variável de desenvolvimento económico. O investimento na cultura, em países como Portugal, onde é fortemente dependente do Estado e dos municípios, não pode ser aplicado de forma cega e deve ter em conta um retorno. Mas também não pode desaparecer por qualquer capricho.
É a cultura, estúpido!
Joana Gorjão Henriques, Público, 16/11/2006
Um estudo da União Europeia mostra que a cultura contribui mais para a economia dos 25 do que os automóveis. Por isso deve passar a ser uma prioridade. Exemplos como o Guggenheim de Bilbau, que "salvou a cidade", atestam o poder de um sector que tem sido ignorado por os governantes acharem que é um custo, em vez de um investimento. Em Portugal, é o terceiro principal contribuinte para o PIB, a seguir aos produtos alimentares e bebidas.
Cultura é o terceiro contribuinte para o PIB português
Bárbara Reis, Público, 16/11/2006
Qual é a importância da cultura e criação no produto interno bruto, PIB, português? 1,4 por cento, diz o relatório da União Europeia A Economia Cultural na Europa, apresentado ontem em Bruxelas.
A UE deve reflectir sobre a importância da criação
Joana Gorjão Henriques, Público, 16/11/2006
Philippe Kern, director da KEA Public Affairs Consultancy, respondeu por telefone a algumas perguntas.
O que devem fazer os Estados-membros para que a cultura cresça?
L.C., Público, 16/11/2006
Para que a Europa possa ser um território que aposta no desenvolvimento através da cultura é preciso que todos os Estados-membros adoptem uma série de recomendações que permita transformar a criatividade em sucessos industriais, como acontece já em países como a Dinamarca, a Finlândia e o Reino Unido.
Pontos fortes e pontos fracos do sector na UE
Público, 16/11/2006
Como seria Portugal sem subsídios das autarquias?
Joana Gorjão Henriques, Público, 11/11/2006
Menos oferta, menos diversidade. Um país mais centralizado na capital. Teatros de portas fechadas para milhares de espectadores. Portugal seria assim, se os presidentes das câmaras municipais fossem todos como Rui Rio e cortassem os subsídios à Cultura.
Menos oferta, menos diversidade. Um país mais centralizado na capital. Teatros de portas fechadas para milhares de espectadores. Portugal seria assim, se os presidentes das câmaras municipais fossem todos como Rui Rio e cortassem os subsídios à Cultura.
Casos de sucesso na descentralização cultural
Joana Gorjão Henriques, Público, 11/11/2006
Há dois anos, a grande fatia do orçamento das autarquias para a Cultura foi para a construção de equipamentos culturais: 93,4 milhões de euros. Em Portugal há vários novos espaços fora das capitais com uma programação que podia acontecer em qualquer grande cidade. Como Faro, Braga, Guimarães, Vila Real, que estão a apostar na programação cultural diversificada. As estrelas já podem ir pelo país fora - e vão.
Capital Europeia da Cultura: A lição que Coimbra (não) aprendeu
João Maria André, A Cabra, 07/11/2006
Estávamos em 2003. O ano em que Coimbra foi Capital Nacional da Cultura. Muito antes do seu termo e antes, por isso, de qualquer balanço, a ideia era lançada por Abílio Hernandez Cardoso, presidente da estrutura que coordenou o evento: olhar longe significa pensar na candidatura de Coimbra a Capital Europeia da Cultura em 2012. Para uns, parecia o corolário lógico de um percurso que estabelecera esta cidade como primeira capital nacional da cultura. Alguns terão olhado para esta antecipação com indiferença. Outros com o natural pessimismo de quem já fazia um balanço pouco positivo de uma iniciativa que, então, ainda não tinha terminado, mas já oferecia campo aberto à crítica, à desconfiança ou à afirmação do fracasso. Coimbra, 2012 – Capital Europeia da Cultura? E porque não? — deveriam ter perguntado muitos outros, nomeadamente os que já então ocupavam, como ainda hoje, a cadeira do poder...
Novos espaços no Norte e uma incerteza no Centro
Ana Trocado Marques, Nelson Morais e Pedro Vila-Chã, Jornal de Notícias, 24/10/2006
Wednesday, November 15, 2006
Observatório de imprensa
ATÉ OUTUBRO DE 2006
Escavar para dentro do Século XXI
Jorge Figueira, Público, 31/07/2004
A "Cidade da Cultura", projectada por Peter Eisenman para Santiago de Compostela começa a mostrar os primeiros sinais de vida. Estão já concluídas duas pequenas torres e a "galeria de serviços, uma estrutura enterrada com 525 metros de extensão. A Hemeroteca, um arquivo de edições, encontra-se em construção. Até ao final de 2004 será concretizada a adjudicação de vários edifícios de conjunto e a conclusão das obras está prevista para 2008.
Monday, November 13, 2006
opinião
A festa e os festejos
[editorial do suplemento "Coimbra 2003: e depois da festa?", publicado com o Diário de Coimbra de 24 de Janeiro de 2004]
Há duas formas essenciais de olhar para a produção e programação culturais da cidade de Coimbra: apreciar a quantidade e qualidade de espectáculos disponíveis ou descortinar, entre a imensa oferta, uma ideia estratégica de médio-longo prazo virada para a afirmação da cidade como pólo cultural de referência.
A primeira atitude é a do cidadão-consumidor de espectáculos que apenas quer ter acesso ao maior número de eventos que lhe interessam, independentemente do local onde ocorram, sem quaisquer preocupações de ligação à vida da cidade e às suas estruturas de produção artística. Tal comportamento visa a realização de um interesse imediato e individual, com a mesma despreocupação do consumidor-voyeurista que julga ver a imagem do progresso e do dinamismo quando passa e olha para as zonas industriais.
A segunda atitude remete para o conceito de espectador-cidadão. Isto é, já não basta que o evento em causa agrade. É preciso que a respectiva programação, ou seja, que as políticas culturais da cidade, tenham em mente horizontes mais vastos, cuja ambição não se esgote nos aplausos finais de cada espectáculo. No fundo, trata-se de distinguir a festa dos festejos.
Qual dos dois objectivos cumpriu a Coimbra Capital Nacional da Cultura? Ou, dito de outra maneira, de que forma é que a CCNC contribuiu para a elevação dos níveis de exigência dos públicos? E qual o lastro cultural que fica depois de desmontada a festa? Estas são questões que nos dizem directamente respeito a nós, que aqui vivemos, pois há outras, igualmente relevantes, que têm a ver com o modo tutelar e paternalista como o País e as instituições fora de Lisboa são tratadas pelos diversos centro de poder.
A ausência de autonomia administrativa e o modelo de organização constituem dois exemplos soberanos do tal “presente envenenado”, de que fala João Maria André. Daí, que seja tão importante denunciar essas situações, para que elas não se repitam, como ser cauteloso e cirúrgico nas críticas, realçando as suas virtualidades e discutindo o seu impacte efectivo no desenvolvimento cultural das cidades
É verdade que nunca Coimbra teve uma oferta cultural como em 2003. Mas esgotada a programação, o que é que resta? Para o futuro vai ficar pouca coisa. Salvo se a experiência nos tiver servido de lição. João Gouveia Monteiro, salienta a “grande falta de coordenação das actividades culturais”, Celeste Amaro lamenta que “em 10 anos Coimbra tenha sido a única capital de distrito que não avançou para a construção de um teatro” e João Maria André alerta para a enorme “falta de informação e algum desinteresse sobre os eventos que se promovem”. Vítor Hugo Salgado entende que “Coimbra está relativamente atrasada no âmbito cultural”, enquanto Abílio Hernandez defende que terá de “haver compromissos do ponto de vista da cidade, no sentido de que as coisas não voltem a um ponto igual ou pior do que o ponto de onde se partiu”.
É justamente a partir deste ponto que a questão e o debate para o próximos tempos tem de se situar, sob pena de a CCNC não ter passado, afinal, de um mero epifenómeno na história cultural de Coimbra. A cidade está colocada perante um repto decisivo ao seu desenvolvimento, razão pela qual o debate quere-se plural e feito com carácter de urgência. O primeiro passo começa com a resposta a quatro perguntas: Quais são os agentes da cidade dispostos a participar na definição e concretização de uma estratégia cultural e artística contemporânea? Quais as condições que têm para desempenhar esse papel? Que objectivos e responsabilidades estão as entidades locais e nacionais dispostas a assumir daqui para a frente? Que ideias têm e que projectos defendem?
A responsabilidade do que não se mudar e não se fizer será, futuramente, de toda a comunidade: dos cidadãos que não souberem exigir e das entidades que se alhearem das suas obrigações e deveres.
Pela nossa parte, manifestamos, desde já, toda a disponibilidade para sermos parte da solução do complexo problema que se coloca à cidade, cujos efeitos vão muito para além das suas fronteiras. Porque os públicos-alvo de Coimbra, hoje, também moram em Viseu, Leiria, Aveiro, Figueira da Foz, Guarda, Águeda ou Pombal.
Mas se em vez de um problema olharmos para esta questão como um desafio estratégico, uma espécie de desígnio supra-municipal, nessa altura estaremos a construir algo bastante mais sólido e perene do que um mero programa de espectáculos.
Nesse dia, a cidade terá capacidade para fixar os seus melhores artistas, poderá afirmar-se como pólo de produção cultural de referência e passar a fazer parte dos circuitos internacionais de cultura.
Até lá, no entanto, será necessário desbravar muito caminho numa cidade que se anuncia do Conhecimento, mas que continua carenciada de um centro cultural de excelência e que ainda encara com um misto de desconfiança e paternalismo as estruturas de criação artísticas profissionais aqui sediadas.
[editorial do suplemento "Coimbra 2003: e depois da festa?", publicado com o Diário de Coimbra de 24 de Janeiro de 2004]
Há duas formas essenciais de olhar para a produção e programação culturais da cidade de Coimbra: apreciar a quantidade e qualidade de espectáculos disponíveis ou descortinar, entre a imensa oferta, uma ideia estratégica de médio-longo prazo virada para a afirmação da cidade como pólo cultural de referência.
A primeira atitude é a do cidadão-consumidor de espectáculos que apenas quer ter acesso ao maior número de eventos que lhe interessam, independentemente do local onde ocorram, sem quaisquer preocupações de ligação à vida da cidade e às suas estruturas de produção artística. Tal comportamento visa a realização de um interesse imediato e individual, com a mesma despreocupação do consumidor-voyeurista que julga ver a imagem do progresso e do dinamismo quando passa e olha para as zonas industriais.
A segunda atitude remete para o conceito de espectador-cidadão. Isto é, já não basta que o evento em causa agrade. É preciso que a respectiva programação, ou seja, que as políticas culturais da cidade, tenham em mente horizontes mais vastos, cuja ambição não se esgote nos aplausos finais de cada espectáculo. No fundo, trata-se de distinguir a festa dos festejos.
Qual dos dois objectivos cumpriu a Coimbra Capital Nacional da Cultura? Ou, dito de outra maneira, de que forma é que a CCNC contribuiu para a elevação dos níveis de exigência dos públicos? E qual o lastro cultural que fica depois de desmontada a festa? Estas são questões que nos dizem directamente respeito a nós, que aqui vivemos, pois há outras, igualmente relevantes, que têm a ver com o modo tutelar e paternalista como o País e as instituições fora de Lisboa são tratadas pelos diversos centro de poder.
A ausência de autonomia administrativa e o modelo de organização constituem dois exemplos soberanos do tal “presente envenenado”, de que fala João Maria André. Daí, que seja tão importante denunciar essas situações, para que elas não se repitam, como ser cauteloso e cirúrgico nas críticas, realçando as suas virtualidades e discutindo o seu impacte efectivo no desenvolvimento cultural das cidades
É verdade que nunca Coimbra teve uma oferta cultural como em 2003. Mas esgotada a programação, o que é que resta? Para o futuro vai ficar pouca coisa. Salvo se a experiência nos tiver servido de lição. João Gouveia Monteiro, salienta a “grande falta de coordenação das actividades culturais”, Celeste Amaro lamenta que “em 10 anos Coimbra tenha sido a única capital de distrito que não avançou para a construção de um teatro” e João Maria André alerta para a enorme “falta de informação e algum desinteresse sobre os eventos que se promovem”. Vítor Hugo Salgado entende que “Coimbra está relativamente atrasada no âmbito cultural”, enquanto Abílio Hernandez defende que terá de “haver compromissos do ponto de vista da cidade, no sentido de que as coisas não voltem a um ponto igual ou pior do que o ponto de onde se partiu”.
É justamente a partir deste ponto que a questão e o debate para o próximos tempos tem de se situar, sob pena de a CCNC não ter passado, afinal, de um mero epifenómeno na história cultural de Coimbra. A cidade está colocada perante um repto decisivo ao seu desenvolvimento, razão pela qual o debate quere-se plural e feito com carácter de urgência. O primeiro passo começa com a resposta a quatro perguntas: Quais são os agentes da cidade dispostos a participar na definição e concretização de uma estratégia cultural e artística contemporânea? Quais as condições que têm para desempenhar esse papel? Que objectivos e responsabilidades estão as entidades locais e nacionais dispostas a assumir daqui para a frente? Que ideias têm e que projectos defendem?
A responsabilidade do que não se mudar e não se fizer será, futuramente, de toda a comunidade: dos cidadãos que não souberem exigir e das entidades que se alhearem das suas obrigações e deveres.
Pela nossa parte, manifestamos, desde já, toda a disponibilidade para sermos parte da solução do complexo problema que se coloca à cidade, cujos efeitos vão muito para além das suas fronteiras. Porque os públicos-alvo de Coimbra, hoje, também moram em Viseu, Leiria, Aveiro, Figueira da Foz, Guarda, Águeda ou Pombal.
Mas se em vez de um problema olharmos para esta questão como um desafio estratégico, uma espécie de desígnio supra-municipal, nessa altura estaremos a construir algo bastante mais sólido e perene do que um mero programa de espectáculos.
Nesse dia, a cidade terá capacidade para fixar os seus melhores artistas, poderá afirmar-se como pólo de produção cultural de referência e passar a fazer parte dos circuitos internacionais de cultura.
Até lá, no entanto, será necessário desbravar muito caminho numa cidade que se anuncia do Conhecimento, mas que continua carenciada de um centro cultural de excelência e que ainda encara com um misto de desconfiança e paternalismo as estruturas de criação artísticas profissionais aqui sediadas.
opinião
Intervenção no Congresso
Pela Cidade. Uma Carta Constitucional para Coimbra
João Gouveia Monteiro
[26 de Maio de 2001]
O texto que seguidamente se apresenta corresponde a uma reflexão final do Grupo de “Cultura e Turismo” da Pro Urbe, que, desde inícios de 1999, tive o prazer de coordenar. Funciona como um complemento ao relatório discutido no Encontro “Coimbra, cultura. Um olhar para crescer”, realizado no auditório do IPJ, nos dias 19 e 20 de Janeiro de 2001, perante uma plateia numerosa e animada.
Desse dossier foi, entretanto, aprontada uma segunda versão, que inclui significativos melhoramentos em vários sectores, para além de um relatório inédito, sobre as Artes
Plásticas e a Fotografia em Coimbra. Actualmente em fase de ultimação (de forma a poder acolher ainda alguns importantes contributos exteriores à Associação), a variante final desta segunda versão será colocada on line durante o próximo mês de Julho e será disponibilizada a todos (instituições ou particulares) que desejem consultá-la. É este o nosso contributo para a vida da cidade, não pretendemos daí retirar outros dividendos, a nossa única preocupação foi a de ajudar a estudar e a conhecer melhor a vida cultural de Coimbra, as suas potencialidades, os seus principais constrangimentos, os caminhos que melhor podem iluminar o seu futuro.
Falo, portanto, em nome de um grupo relativamente numeroso de pessoas, de idades, interesses e ocupações variados, que, ao longo dos últimos dois anos e meio, dedicou muito do seu tempo livre a este projecto e que, conhecendo-lhe à partida, melhor do que ninguém, as limitações e as fragilidades, se orgulha de o ter levado até ao fim. Oxalá a cidade queira tirar partido dele. Pensamos, sobretudo, nas instituições – oficiais ou não – com responsabilidade ao nível da promoção das actividades culturais, mas também nos seus múltiplos actores e, por que não, em todos aqueles que seguem com mais atenção a vida cultural desta cidade, porque acreditam que existe um futuro cultural para Coimbra.
Vem aí o projecto “Coimbra, Capital Nacional da Cultura” (anunciado, de resto, durante o nosso Encontro no IPJ), não podia haver melhor momento para entregarmos este testemunho, saindo discretamente de cena e abrindo a ribalta a quem a merece mais do que nós.
Queremos, a este propósito, dar conta da nossa satisfação pelo facto de a coordenação do projecto “Coimbra, Capital Nacional da Cultura” ter sido entregue a quem foi, circunstância que encontra, aliás, um notável complemento na recente e feliz resolução do problema da escolha do director do Teatro onde nos encontramos. Ao Comissário Doutor Abílio Hernandez e à sua excelente equipa, ao Director do TAGV Doutor João Maria André e aos seus colaboradores, os votos (que bem sabem serem muito sinceros) de muitas felicidades no exercício das suas novas funções.
É tempo de vos perguntar: quer a cidade de Coimbra manter e consolidar uma associação cívica como a Pro Urbe? Vale a pena continuarmos? Que estímulos e que apoios estão os cidadãos de Coimbra dispostos a garantir a uma organização como a nossa? Não temos sede, não temos funcionários, não temos uma situação financeira minimamente estável. O vasto leque de temas que acompanhamos, a necessidade de tornarmos mais preciso e mais profissional o nosso observatório, impõe que reflictamos sobre a razão de ser deste nosso Congresso e sobre o nosso futuro.
Falemos então de cultura em Coimbra…
Antes de mais, queremos dizer-vos que não há projecto cultural para Coimbra sem haver um projecto para a cidade. Um projecto urbanístico (as vias continuam a interceptar lugares, antes mesmo de sabermos como eles se relacionam entre si), um projecto social, um projecto económico. Coimbra tem esse projecto? Aliás, quem é Coimbra verdadeiramente, não o postal ilustrado, a cidade do fado e da Queima das Fitas, do Basófias e da torre da Universidade, mas a Coimbra das profundezas, centro e periferia, economia e saúde, desporto e espaços verdes, exclusão social e reencontro? Talvez tudo parta daqui.
Nos últimos tempos, uma ideia existe que se tem tornado mais clara a quem tem o vício de pensar a cidade. Cidade sem desenvolvimento industrial, de tecido empresarial muito frágil, sem a “corte” de Lisboa ou o “poder do Norte”. Essa ideia chama-se ‘um futuro cultural para Coimbra’ e escora-se em alguns bons argumentos: o enorme capital de prestígio da cidade, a sua composição social (27% no conjunto das profissões liberais e quadros dirigentes, intelectuais e científicos, e médios; 40% de quadros superiores, quadros médios e empregados com pelo menos o 9.º ano de escolaridade), o seu património construído, mais fundo ainda, o seu património intangível, de cidade de confluência de culturas e de sentimentos, a Coimbra moçárabe, do velho Sesnando da Reconquista. Coimbra, cidade de dupla centralidade (nacional e regional), terá ela um projecto melhor para si mesma do que ser uma cidade de cultura e de ciência, de saúde e de desporto universitário, de turismo de qualidade e de museus? Acreditamos que não. Na Europa, existem diversas cidades médias, universitárias, que afirmaram por aqui o seu caminho, e que são hoje verdadeiros emblemas: Cambridge, Siena, Heidelberg… De resto, as cidades médias europeias têm, regra geral, grande vitalidade. Coimbra, com os seus 30.000 estudantes do Ensino Superior, a que podemos acrescentar outros tantos de outros níveis do ensino, também podia trilhar este caminho, à sua maneira, sem perda de indentidade, antes pelo contrário, tirando partido da aura mítica que a rodeia, da história que envolve as suas colinas, da diversidade e complementaridade das paisagens da sua região. Se alguma conclusão resultou do estudo do nosso grupo sobre a cidade, é concerteza esta: em Coimbra, o futuro passa por uma grande aposta na cultura, em sentido amplo.
Esta estratégia tem, porém, os seus riscos. Em primeiro lugar, não existe cidade fora de um contexto nacional, e talvez não exista ainda hoje um estudo sério, completo, profundo, sobre o conjunto da realidade sócio-cultural portuguesa dos dias de hoje. Não existe, nem em Coimbra, nem em Portugal, uma planificação cultural a longo prazo, um diagnóstico preciso das condições exactas do património cultural e dos equipamentos, um levantamento exaustivo das necessidades, numa visão abrangente, sistematizada, coerente, à escala da administração territorial. Coimbra ressente-se disso. Tal como no país, não há em Coimbra uma estratégia cultural (não há, de resto, uma estratégia de cidade, em sentido amplo, pluri-institucional). Fazem-se coisas boas, muitas. Mas não se conhecem propriamente as prioridades, os outros ramos da árvore, as outras malhas da mesma rede. E, no entanto, em cultura como no resto, cada coisa deveria ter o seu lugar. O país é pobre, o Ministério da Cultura também: cerca de 2,5 milhões de contos por ano para o conjunto dos apoios às artes do espectáculo, é de quem não percebeu ainda que a elevação da qualidade de vida dos portugueses passa sobretudo pela educação, pela fruição cultural, e não tanto pelo betão, pelas auto-estradas (1 Km custa agora perto de 1 milhão de contos), pelos novos aeroportos ou pelos TGV’s. Tudo isto é importante, mas complementar e, sobretudo, muito menos estratégico. Desperdiçar é, portanto, proibido. Mas não é o que se vê. Como testemunhou o Arquitecto José Manuel Castanheira, presente no Encontro “Coimbra, cultura, um olhar para crescer”, no distrito de Castelo Branco, nos 120 ou 130 espaços culturais existentes (e que representam um investimento de 12 milhões de contos desde o 25 de Abril, sob a forma, seja de intervenções de raiz, seja de recuperações recente), em nenhum deles era possível apresentar um espectáculo de teatro em perfeitas condições. A URBI, por exemplo, nasceu com 4 auditórios de raiz, mas nenhum deles serve para outra coisa a não ser para dar aulas, e mesmo assim em más condições… Desta forma, é difícil que, como dizia o Ministro Sasportes no mesmo Encontro, a “casa aberta da cultura” se imponha às casas fechadas e acorrentadas da TV.
Coimbra escapa a este cenário? De modo nenhum! Quantas infra-estruturas culturais de raiz foram erguidas nesta cidade nos últimos 50 anos? Se excluirmos o TAGV, a Casa Municipal da Cultura (com toda a indefinição que rodeou o seu projecto) e o Pólo II, não fica quase nada. A solução tem passado, quase sempre, por reaproveitamentos de espaço, alguns deles excelentes, mas quase todos com limitações incontornáveis. Existe uma estratégia de cidade para Coimbra? Pela cultura, ela não passa com certeza. É que, se passasse, já se tinha dado ela. A diversos níveis. Alguém conhece um inventário completo e actualizado dos principais equipamentos culturais que existem no concelho de Coimbra (por exemplo, do número de salas, das suas capacidades e potencialidades, da existência ou não de palcos, das respectivas dimensões, do seu equipamento, das suas taxas de ocupação) ? Alguém sabe explicar-nos quais são os objectivos precisos daquilo a que Miguel Lobo Antunes chamou, no Encontro do IPJ, o “campo cultural de Coimbra”? Trata-se de facultar a cultura ao maior número de pessoas? Trata-se de privilegiar as crianças e os jovens, os estudantes universitários, as pessoas mais carenciadas, os reformados? Existe uma estratégia para isso? Definiu-se, para tal, uma política de preços? A cidade sabe exactamente o que quer, em termos de associativismo cultural ou de política museológica (excepção feita aos museus universitários)?
Pensamos que não. Portanto, torna-se necessário fazer uma avaliação por objectivos, séria e participada, seja do ponto de vista dos promotores/realizadores (CMC, UC, AAC, Escolas, grupos independentes, etc), seja do ponto de vista dos utentes (as palavras são de Adília Alarcão). A cultura da cidade não pode mais ser pensada numa perspectiva de ‘estudante’ versus ‘futrica’ (a Universidade toma conta dos primeiros, a Câmara dos segundos), essa barreira tem-se diluído, as ambições são outras, os objectivos têm de o ser também
E, no entanto, nós sonhamos ainda com um ‘futuro cultural’ para Coimbra. Deixem-nos sonhar! Mas, atenção, não sonhamos apenas com novos edifícios e equipamentos. Aprendemos há tempo que uma boa infra-estrutura cultural não é só um bom edifício: é preciso quem saiba animar esses espaços de forma profissional, para que seja possível que exista um projecto específico para cada sítio. Mas, também aqui, Coimbra falha demasiado. Existe um investimento sério na formação ou na contratação de animadores culturais? Existe carreira artística em Coimbra? Sejamos sinceros, todos sabemos que não. Em Coimbra, a aventura cultural é ‘uma coisa da mocidade’. Acaba na benção das pastas, e nunca mais regressa. Falta o salto que permite conduzir das ‘coisas giras’ às actividades culturais de tipo profissional. E atenção, porque a cultura ‘a sério’ é uma indústria, vive de agentes especializados e não de meninos talentosos, que não passam da fase do viveiro.
E por que é que Coimbra não retém os seus actores culturais, ou não atrai outros de fora? Que tem hoje Coimbra para o fazer? No plano geral, uma cidade de costas voltadas ao rio, um trânsito caótico, uma sinalética e uma iluminação deficientes, ruas pouco asseadas, muitas delas quase sem uma árvore própria (como a Miguel Torga, uma artéria dita nobre) e mal iluminadas, zonas históricas degradadas e perigosamente desertificadas, um custo tremendo na habitação, um património natural ou construído demasiado descuidado (o GAAC, a ADDAC, a recém criada Al Medina, os utentes do Choupal e de Vale de Canas, que o digam). Olhemos, por exemplo, para Guimarães, para Viana, para apenas citar dois exemplos: quanta diferença, para melhor, nas ruas, na conservação dos centros históricos…
Depois, no plano mais específico das actividades culturais, que pode Coimbra oferecer a quem pensa em fazer carreira no mundo das artes? Observemos alguns dos principais emblemas da vida cultural da cidade: os Encontros de Fotografia (talvez a única iniciativa cultural que traz actualmente gente de fora à cidade), tanto tempo à beira de um ataque de nervos, por falta de apoio financeiro; a Escola da Noite, semi-desalojada; as secções culturais e os organismos autónomos da AAC trabalhando num edifício em confrangedora decadência; outros eventos já são só recordação, como as magníficas Semanas Internacionais de Teatro Universitário…Enquanto isso, os “Encontros Mágicos” são considerados como uma “iniciativa cultural relevante” e conseguem, por via disso, um importante financiamento no quadro das disponibilidades actuais da Câmara Municipal de Coimbra. Justificar-se-á que assim seja, i.é, isso decorre de uma estratégia de prioridades assumida por quem planifica o presente e o futuro cultural da cidade?
Alguém que não seja parte interessada percebe a política de subsídios praticada pelas instituições oficiais com responsabilidade na área da cultura aos vários actores da cidade (ainda que não possa deixar de reconhecer-se que um acréscimo significativo do orçamento para a cultura tem permitido aumentar consideravelmente as actividades e reforçar os apoios a grupos, a associações e a outras entidades intervenientes na vida cultural da cidade)? Existe transparência nesses critérios, existe uma avaliação anual séria e participada, que permita recompensar quem merece e quem tem qualidade? Existe alguma articulação entre as várias instituições relativamente à concessão desses apoios?
Quem, nestas condições, desejará vir para Coimbra, ficar em Coimbra, para fazer cultura, numa perspectiva de vida, de carreira profissional, de longo prazo? Paulo Filipe? José Luís Ferreira? Leonor Barata (não leio mais nomes, só me deram 25 minutos de tempo de antena)? Existem em Coimbra projectos culturais concretos suficientemente estimulantes para atraírem à cidade actores culturais de fora dela? Se calhar podia haver, mas temos deixado que nos escapem: Orquestra Filarmónica das Beiras (Aveiro), Centro Português de Fotografia (Porto), Centro Regional das Artes do Espectáculo (Viseu); etc.
Esta escassa (para não dizer quase nula) capacidade de sedução de Coimbra sobre os agentes culturais tem as piores consequências. Antes de mais, o isolamento da cidade, que tende a virar-se para dentro, a perder as referências nacionais e internacionais, imprescindíveis à recriação permanente, que a própria ideia de cultura implica. A cidade perde, assim, a possibilidade de ter uma relação mais viva e mais directa com a contemporaneidade. Aloja-se num ‘fora de tempo’ castrador. Veja-se, por exemplo, o que sucedeu ao nível da dança contemporânea, que foi, nos anos 80 e 90, em Portugal e lá fora, talvez o movimento mais marcante, mais vivo, mais inovador, ao nível das artes de palco. Existiu em Coimbra, durante os últimos vinte anos, um cheirinho sequer desse movimento? É óbvio que não. A dança, em Coimbra, continua, injustamente, quase na fase do ghetto, e reduz-se ao ballet clássico, ao flamengo, às danças de salão, e pouco mais.
Não pensem, porém, que viemos aqui para ‘deitar abaixo’. No nosso papel de ‘critical boys’, em que fomos investidos há quatro meses, não podíamos, evidentemente, deixar de fazer alguns reparos. Mas também temos algumas ideias, algumas pistas, algumas sugestões para quem as quiser aproveitar.
Queremos, antes de mais, dizer-vos, que, antes de construir, de transformar, deveríamos reflectir um pouco mais sobre nós mesmos. Por exemplo, impõe-se que conheçamos mais a fundo a população estudantil de Coimbra, os seus hábitos culturais, a sua mobilidade. E o resto da população também, a do centro e a da periferia. O magnífico estudo realizado em 1999 nas Oficinas do CES, sobre consumos culturais nas cidades de Braga, Guimarães, Porto, Aveiro e Coimbra, fornece pistas preciosas, que deviam ser exploradas. Cidade terciária e com elevado peso de elites qualificadas, Coimbra surge destacada das outras quatro concorrentes num primeiro patamar, em matéria de intensidade e densidade dos consumos culturais. É, aliás, em Coimbra que os públicos de algumas actividades culturais assumem maior expressão. Só entre os conimbricenses se encontram várias actividades cujos públicos assumem uma expressão superior a 30%: exposições de pintura (36%); frequência de concertos rock/pop (34%); frequência de espectáculos de teatro (33%); visitantes de exposições de fotografia (31%). São as marcas da Universidade no ambiente urbano, garantindo médias mais altas de instrução e de qualificação profissional. Isto devia fazer-nos reflectir, ao pensarmos Coimbra. Para mais, vivemos num país onde, como explicam aqueles autores, a TV generalista e popular penetra virtualmente todo o universo social e onde várias indústrias culturais viradas para o grande público enfrentam barreiras sociais muito importantes (de instrução, de idade, entre outras). Um país onde, como se sabe, os públicos culturais são minoritários, mesmo dentro dos grupos sociais mais favorecidos e qualificados.
Por outro lado, Coimbra é uma cidade de jovens, já o dissemos. Quase metade da sua população (cerca de 130.000 habitantes) são estudantes, 70% dos quais ainda no Ensino Secundário (portanto, o nosso público de hoje e do futuro). Uma estratégia de desenvolvimento cultural para Coimbra tem necessariamente de ter isto em conta. O trabalho realizado na Oficina do CES (assinado por Augusto Santos Silva e por Carlos Fortuna, entre outros) mostra bem a especificidade dos hábitos culturais juvenis: maior prática desportiva, maior adesão à música moderna e à dança, maior disponibilidade e mobilidade, maior acção sobre a transformação geral dos consumos culturais e lúdicos, graças à sua ligação ao mundo do audiovisual.
Uma estratégia de desenvolvimento cultural para Coimbra tem, portanto, de se adequar a este cenário. Nas cidades universitárias portuguesas há – disse-o o Ministro José Sasportes – um certo divórcio entre a vida da cidade e a vida cultural dos seus estudantes, circunstância que talvez mereça a pena ser comprovada e interpretada sociologicamente (de alguma forma, iniciativas como a Semana da Mostra Cultural da Universidade de Coimbra têm ajudado a fomentar um diálogo cultural vivo com a cidade e, por isso, merecem muito ser acarinhadas).
Depois, há que encarar de frente a questão das infra-estruturas e dos equipamentos culturais. Que diabo, quanto tempo mais vai a cidade esperar por ter uma alternativa que seja ao Teatro Gil Vicente? Como disse recentemente o meu amigo João Maria André, Coimbra foi ‘Capital Nacional do Teatro’ há nove anos, mas continua com uma única (que me perdoe o meu amigo João Fernandes) verdadeira sala de espectáculos. E ainda há quem não desconfie das ‘capitais’ disto ou daquilo! Depois do desaparecimento do Teatro Sousa Bastos, uma sala houve que desapareceu duas vezes em 15 anos (o Teatro Avenida), um novo espaço (aberto) foi construído (o controverso Queimódromo), e nada mais. Comissário Hernandez, por favor, se não tiverem tempo de fazer mais nada, pelo menos contrariem este pesadelo. Até porque, se tudo correr bem, e para além da aquisição (esperemos que definitiva) do nosso Pavilhão em Hannover para o Parque de Ciência, Cultura e Lazer, e também da montagem de um Pavilhão situado ao lado do Quartel dos Bombeiros, Coimbra poderá ter dentro de dois anos dois novos espaços culturais: o Teatro do Pátio da Inquisição e o Teatro Municipal. Quanto a este último, esperamos que os especialistas (i.é, os arquitectos) sejam ouvidos (só eles podem conceber correctamente um bom teatro) e que as legítimas expectativas dos actores não sejam frustradas. É também preciso que haja um debate público sobre a localização, a configuração e a contextualização deste novo espaço (afinal, não é o povo o nosso melhor arquitecto?). O exemplo do que se passou relativamente ao Teatro da Inquisição não é de molde a dissipar os nossos receios.
Não pensamos, contudo, só em espaços vocacionados para as chamadas artes de palco, performativas. Coimbra não pode continuar sem espaços e sem equipamentos condignos para acolher eventos tão importantes (que o futuro Palácio dos Congressos não poderá receber) quanto a Expovita, a CIC, a Feira do Livro ou o Salão Automóvel. O recurso sistemático às tendas na Praça da República é uma coisa que deveríamos deplorar, tanto quanto o turista que nos visita deplora a estação ferroviária que o acolhe à chegada ao seu novo destino. Triste fidalguia a nossa.
Mas o problema não está só nos grandes espaços. É também fundamental que a cidade acarinhe os pequenos equipamentos culturais, espaços de respiração, de inovação, de laboratório, como lhes chamou José Luís Ferreira no Encontro do IPJ. A maior parte da produção teatral portuguesa faz-se em salas de pequena dimensão, numa escala de 200 a 400 lugares. Espaços com a qualidade, por exemplo, de um Auditório Nacional Carlos Alberto. Coimbra precisa também deste tipo de espaços, porventura será mesmo neles que deverá fazer a sua maior aposta. Qual teria sido a história do TEUC e do CITAC, sem os seus pequenos teatros de bolso? Na minha opinião, eles são tão importantes quanto a ampla sala em que nos encontramos (ainda que esta também precise de um arranjo, ao menos no circuito de som, nas cadeiras – que são ainda as de origem, apesar de restauradas – e no palco). Portanto, há pequenas salas que têm de ser, o mais possível, acarinhadas (penso, por exemplo, no auditório do IPJ) e cadáveres que não podemos mais alumiar. Um deles, que me revolta todos os dias, é o Teatro Paulo Quintela, na minha própria Faculdade de Letras. Numa Faculdade que tem um Instituto de Estudos Teatrais, uma Sala de Cinema, um Mestrado de Ciências Musicais, diversas cadeiras destas três especialidades, numa Faculdade que vai abrir em 2002-2003 uma licenciatura em Estudos Artísticos, como é que se pode admitir o protelamento da reforma do Paulo Quintela? Existe um projecto excelente, assinado pelo Arquitecto Fernando Távora e no qual especialistas como o João Mendes Ribeiro trabalharam arduamente, por que razão ele continua por executar? É preciso fazer uns ajustamentos, criar uma saída independente, garantir um bengaleiro e uma cafetaria? Muito bem? Há solução para isso, ou não há? Se há, de que é que estamos à espera há uma quantidade de anos? Se não há, por que razão não se fez um outro projecto? Peço aqui à Reitoria da Universidade (e em particular ao nosso Vice-Magnífico Reitor, Professor Seabra Santos, que sei estar bem atento a este problema) que se empenhe até ao fim no resgate deste novo Tolan, cuja degradação, além de um contrasenso, é um atentado à pobreza e uma ofensa ao nome do grande mestre Paulo Quintela.
Fundamental nos parece também que os numerosos projectos anunciados pela Senhora Vereadora da Cultura para a renovação dos espaços culturais de Coimbra sejam concretizados em tempo útil. E que se esclareça exactamente o destino de alguns desses espaços, para que depois não tenhamos de chorar a ausência de algumas valências fundamentais (penso, por exemplo, na falta que faz um auditório na Casa Municipal da Cultura, um espaço de que gosto particularmente, pela localização, pelo ambiente, pela belíssima Imagoteca que devemos ao Dr. Alexandre Ramires, pelo ternura de uma Ludoteca de que ninguém consegue não gostar). Deste ponto de vista (o da concretização dos projectos da Câmara), parece-nos que seria muito bom se a Rede de Anexos da Biblioteca Municipal pudesse começar a ser realmente implementada até ao final do ‘Coimbra, Capital da Cultura’ (esperamos também pela concretização da Biblioteca de Santa Clara), que o Museu dos Transportes fosse também resgatado da indignidade em que sucumbe há tanto tempo (ou então que o projecto seja definitivamente enterrado) e que as várias peças do futuro Museu da Cidade fossem articuladas num todo intencional ao serviço da cultura coimbrã: Edifício Chiado, Sala da Cidade, Torre de Anto (estas duas, sede de exposições regulares bastante interessantes), Torre de Almedina… Quanto a esta última, os meus votos de historiador de que a dupla mudança de sede do valioso espólio documental do Arquivo Municipal (da Almedina para a Casa da Cultura, e daqui para Montes Claros) se faça em condições da maior segurança e rapidez.
É claro que, ao falarmos de tudo isto, estamos também a falar de dinheiro. De dinheiro municipal e, sobretudo, de dinheiro do poder central (ao que se sabe, sonhar com o mecenato cultural é, a não ser em grandes projectos que não cabem nas fronteiras de Coimbra, esperar a ‘visita do anjo’). A autarquia, só por si, não pode fazer face à maior parte das despesas (pode é planear correctamente, estabelecer democrática e inteligentemente as prioridades, reivindicar do Estado aquilo a que temos direito). Mas, sobre dinheiro, não foi o Ministro Sasportes que anunciou no nosso Encontro de Janeiro que o Programa Operacional da Cultura constituirá uma oportunidade excepcional, com a dotação de cerca de 2 milhões de contos por ano, durante um período de seis anos? Será que, nesta fortuna, não há uns algarismos à esquerda do cifrão que possam ser encaminhados para Coimbra?
De qualquer maneira, também devemos dizer que pensar na construção, ou (hipótese menos interessante), na reconversão dos espaços culturais, não é a única forma de pensar a questão dos equipamentos que servem a cidade de Coimbra. É claro que há projectos de sonho, que todos gostaríamos de ver realizados. Eu, por exemplo, sonho, noite sim, noite não, com a retirada da Penitenciária do coração cultural de Coimbra. Como já dizia o meu avô materno, aos presos, tanto se lhes faz estar detidos na Rua de Tomar como na Pampilhosa do Botão. Além disso, se a Penitenciária dali saísse, seria a própria segurança da cidade a beneficiar com isso. Ora, se o terreno para o novo edifício já foi pensado, avaliado, então por que não se avança com a ideia? Se a ‘Capital Nacional da Cultura’ pudesse dar um jeitinho, daríamos decerto régias alvíssaras de gratidão ao seu Comissário. Vocês já viram o que poderia ser um espaço daquela dimensão e naquele lugar ao serviço do ‘futuro cultural de Coimbra’, por muitos problemas de reconversão arquitectónica que pudesse suscitar?
Admito, no entanto, que possa haver dificuldades. Há, como disse, outras soluções para a questão dos equipamentos culturais. Uma delas pode, por exemplo, passar pela inclusão de Coimbra em redes mais amplas, a uma escala, digamos, regional. Se a Orquestra Filarmónica das Beiras parece ter sido, a este respeito, uma boa oportunidade que se perdeu (Aveiro já tem hoje uma boa rotina de consumo de música clássica, et pour cause), outras poderão aproveitar-se. Também aqui, a centralidade de Coimbra pode e deve ser rentabilizada.
A uma outra escala, neste caso mais concelhia, também se deveria incrementar a existência de bons ‘espaços de produção’ servindo vários grupos culturais (p.ex: as companhias de teatro, que em Coimbra já são mais de uma dúzia). Refiro-me, designadamente, a complexos bem projectados, integrando salas de ensaio e adereços, ateliers de guarda-roupa, espaços administrativos, entre outros. Mesmo que aí se não produzissem espectáculos, isso prestaria um serviço inestimável às companhias e configuraria um complemento estupendo para uma rede de teatros e cine-teatros. Actualmente, em muitos grupos de teatro, é nas casas e nas garagens particulares dos actores ou dos responsáveis pelos grupos que se abriga o material indispensável à produção dos espectáculos. Querem coisa mais terceiro-mundista, para mais numa cidade que se diz ‘da cultura’ e ‘dos museus’?
Da mesma forma, os espaços culturais não nos parece que devam ser concebidos como simples ‘mercados’. Deseja-se, ou deveria desejar-se, que o público seja também actor, e, para tal, complementos como bares, restaurantes, livrarias, locais de encontro, etc., deveriam ser valorizados nos novos equipamentos a projectar. Penso, por exemplo, no papel nuclear que cumpre, aqui no TAGV, um espaço como o foyer do primeiro piso…
Agora, também é bem verdade que só as infra-estruturas não resolvem, por si sós, o problema (ou, pelo menos, todos os problemas). Mesmo em Coimbra, onde a carência delas é dramática (e, neste ponto, ainda que caricaturalmente e contra a autorizada opinião do ex-director do CCB, um espaço que pertence a outra galáxia, mantemos que a superação desta carência poderia, em Coimbra, optimizar em 200% a actividade cultural da cidade).
E quais são então as outras faces do poliedro? Em primeiro lugar, uma aposta forte na formação. Não há ‘futuro cultural’ para Coimbra se essa aposta não for, de imediato, levada a sério. O auto-didactismo deve, portanto, ir cedendo o seu lugar à formação. Como, a propósito da música, explicava Rui Vieira Nery, na sua intervenção no Encontro do IPJ (e notem bem a quantidade de referências que, sem esforço algum, eu já fiz a esta iniciativa, que alguns consideraram uma ofensa à cidade e uma perda de tempo), tem de ser dada uma prioridade absoluta à formação: no plano geral (das creches à Universidade, em termos curriculares e extra-curriculares); no plano vocacional (i.é, em termos de formação de profissionais especializados – intérpretes, compositores, investigadores, formadores, animadores, programadores, etc. – seja no Conservatório, seja na Universidade); e no plano da formação contínua (ou seja, do associativismo cultural, da alfabetização musical, na linha da velha e boa tradição pedagógica de Coimbra). Esta formação deverá, ao mesmo tempo, garantir a diversidade das linguagens nacionais (da música clássica ao rock de garagem – que é particularmente relevante em Coimbra – , incluindo as mornas – pensamos no Espaço Lusófono) e não poderá deixar de ser acompanhada da criação de estruturas de produção estáveis, ao nível da prática musical e dos espaços (seja nas bandas amadoras e nos grupos de fado, seja nos grupos profissionais, e incluindo sempre equipas técnicas adequadas, ao serviço de uma estratégia cultural bem definida).
Como se vê, esta questão da formação entronca directamente no problema da programação cultural. Aí, seguindo sempre o raciocínio de Rui Nery, pensamos que a intervenção dos poderes públicos deve ter sobretudo em linha de conta a necessidade de viabilizar os géneros minoritários, diversificando a programação e os públicos, cruzando esses públicos (através do alargamento da oferta), abrindo caminho à inovação. Se a função do programador é ‘levar as pessoas a sair de casa’, ela não pode descurar uma tridimensionalidade essencial: tem de abrir-se às grandes correntes internacionais (sob pena de ser parola e provinciana); deve assumir um padrão nacional (as redes regionais são boas, mas cumprem outras funções: equipamentos, divulgação, publicidade); e não pode desprezar as tradições locais (que em Coimbra, em vários domínios, como a música e o teatro, são extremamente ricas).
Não se pretende, com isto, sugerir que a vida cultural da cidade se torne numa alucinação, num frenesim. É óbvio que isso não é possível. Um dos nossos grandes desafios consistirá, justamente, em privilegiar a regularidade dos eventos culturais de qualidade, em vez da quantidade dos eventos culturais de gosto duvidoso. Importa criar boas rotinas, bons hábitos culturais (mesmo que com uma oferta mais reduzida), mais do que provocar picos de espectáculos, separados por grandes brancas na oferta. Por isso, temos sempre dito que eventos de qualidade como o Festival Internacional de Música, o Festival José Afonso, os Ciclos de Quartas de Jazz, os Caminhos do Cinema Português (atenção à crescente notoriedade deste festival) e, de certa maneira, também as Noites de Verão (os espaços ao ar livre, assim como alguns espaços históricos, têm, de resto, sido uma boa e imaginativa aposta cultural da edilidade), assim como pelo menos algumas das noites da Queima das Fitas, são acontecimentos que devem ser privilegiados na nossa programação cultural. O efeito de stop and go (como é, por exemplo, provocado em localidades que recebem, no Verão, grandes festivais de música, mas onde depois, no resto do ano, a oferta cultural é escassíssima) não se recomenda, nem se deseja para Coimbra.
É claro que este apoio pressupõe uma escolha, uma selecção, uma estratégia toda feita de intenção, que é o que, no nosso modesto entender, falta sobretudo em Coimbra. Servindo-nos das palavras de João Maria André, no recente debate sobre a política cultural autárquica promovido pela CDU, “apesar do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pelo Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Coimbra, falta ainda uma estratégia para a cultura em Coimbra baseada em opções de fundo, estruturada a partir do estabelecimento de objectivos e assente numa macrovisão do desenvolvimento das infra-estruturas e dos recursos humanos qualificados que darão corpo a essa estratégia. Falta, no fundo, a articulação da cultura com um projecto de cidadania. (…) É urgente, em Coimbra, aproximar a Rua Pedro Monteiro da Praça 8 de Maio (…) Por mais que se empenhem os responsáveis pelo Departamento da Cultura e da sua Casa Municipal, por mais iniciativas que promovam, não haverá uma efectiva política cultural enquanto a cultura não invadir todos os gabinetes da Câmara Municipal (e também, claro, do seu Presidente), e não for a alma de cada uma das políticas sectoriais e, assim, a coluna vertebral da sua coerência e da articulação da sua pluralidade interventiva”.
Finalmente, gostaríamos de referir ainda dois aspectos, que nos parecem essenciais para a melhoria da vida cultural coimbrã: a coordenação e a divulgação. Quer-nos parecer que há transversalidade a menos, diálogo a menos, logo, coordenação a menos, entre as instituições com responsabilidade na matéria. Isso nota-se, por exemplo, no carácter desorganizado, casuístico, da política de apoios aos diversos grupos e actores culturais. Seria, assim, importante que a Câmara Municipal, a Delegação Regional do Ministério da Cultura, a Universidade de Coimbra, a Comissão de Coordenação da Região Centro e a Região de Turismo do Centro organizassem melhor esse diálogo, criassem alguma sinergia em torno da actividade cultural de Coimbra, uma sinergia que permitisse o parto da ‘indústria cultural’ de que a cidade necessita, se quiser construir por aí o seu futuro. Complementarmente, outras associações e estruturas (como o INATEL, o GAAC, a ADDAC, o IPJ, o Centro de Emprego e Formação) ganhariam espaço para uma intervenção mais regular e sustentada, e até mais ‘dirigida’ a problemas concretos e, por isso, porventura mais eficaz.
Neste enquadramento, subscrevemos inteiramente as palavras de Adília Alarcão, quando esta refere, em resposta a um inquérito do “Público”, ser desejável que a autarquia não se comporte como um ‘agente cultural’, mas sim como fomentadora e coordenadora de estratégias de mobilização e de financiamentos, de obtenção de equipamentos, de fixação de artistas, de técnicos, de promotores e programadores, de desenvolvimento de novos hábitos culturais e de actos criativos.
Entretanto, dificilmente se rejuvenesce e se reorganiza a nossa agenda cultural sem um novo impulso ao nível da promoção e da divulgação dos espectáculos. Isso é fundamental para se conseguir o tal efeito de ‘levar o espectador a desligar a televisão e a sair de sua casa’. A oferta cultural em Coimbra tem de ter, não só mais dimensão e mais regularidade, como também muito mais visibilidade. Tem, para isso, de se admitir que a promoção da ‘indústria cultural’ que reivindicamos para Coimbra exigirá um investimento elevado (Eduardo Prado Coelho estimou-o em cerca de 40%). É preciso utilizar estratégias de comunicação e de sedução eficazes, suportar os custos elevados da promoção e da publicidade (que podia ser muito mais bem coordenada), atitudes indispensáveis para contrariar uma certa imprevisibilidade e, por vezes, escassez do público de Coimbra. Por outro lado, é óbvio que temos de ganhar a batalha da comunicação social. O que, a este respeito, João Figueira escreve no seu pequeno relatório incluído no nosso dossier é extremamente revelador…
É tempo de concluir. Viemos aqui propor um ‘futuro cultural’ para Coimbra. Ou seja, que se construa um ‘projecto de cidade’ para Coimbra que passe sobretudo pela cultura, pela ciência, pela saúde, pelo turismo. A grande riqueza de Coimbra é, creio que ninguém duvida disso, o seu património cultural (móvel e imóvel), entendido este, não como realidade fossilizada e estática (as palavras são de Eduardo Prado Coelho), mas como plataforma viva, incentivadora, económica e estética, situando-se num plano que deverá sempre ser de vanguarda. Este fabuloso potencial não está hoje devidamente aproveitado. E é pena. A integração estratégica de uma política patrimonial e museológica em Coimbra, a criação de circuitos turísticos inovadores (ampliando os actuais percursos pelas memórias da nossa tradição literária e dos nossos escritores, em boa hora iniciados pela Câmara), abririam um novo futuro à cidade. O turismo é hoje a maior indústria do mundo. No seu seio, o turismo cultural é já um agente dinâmico da maior importância, que transforma grandes cidades (como Bilbao) e pequenas povoações (como Mértola). Coimbra tem adiado a profissionalização desta aposta, que pressupõe, não apenas medidas pontuais, mas um estudo sério, a identificação clara de objectivos e de prioridades, e uma estratégia de angariação e dispêndio de meios financeiros coerente e rigorosa. A condição letrada de cerca de 50% da população de Coimbra, a sua elevada componente juvenil, a existência regular de Congressos, a possibilidade de elevar a urbe a uma posição ímpar no contexto do desporto universitário, justificam, entre muitos outros argumentos, esse esforço.
Esta progressão permitiria, talvez, a Coimbra, um novo enquadramento na rede activa das cidades europeias, ao mesmo tempo que lhe permitiria desempenhar um outro papel de dinamização no seu próprio espaço regional e local (o que implicaria também um novo olhar e uma nova relação com a periferia, sendo por isso mesmo urgente a concretização da anunciada rede cultural concelhia e a sua rápida dignificação).
Que papel pode desempenhar, na complexidade deste puzzle, o projecto ‘Coimbra, Capital da Cultura?”. Em nosso entender, e antes de mais, um papel de ignição, de catalização de uma nova atitude de Coimbra relativamente à sua vida e ao seu projecto de cidade. É preciso fazer estudos, avaliar bem as possibilidades e os meios, escutar opiniões, confrontar experiências, sem o provincianismo de recusar os forasteiros e admitindo que há ainda demasiadas questões para as quais ninguém conhecerá respostas definitivas. Depois, é preciso começar a construir, pelos alicerces. O Comissário do evento, Professor Abílio Hernandez, disse, numa entrevista às “Beiras”, ser necessário que “no fim da festa, haja novos profissionais na área da cultura e afins, como as novas tecnologias ou o turismo cultural”; acrescentou que “é preciso deixar pessoas apetrechadas”, “cimentar os públicos que já existem e criar novos públicos”, abraçar grandes projectos, como o Centro de Arte Contemporânea (será o reencontro da cidade com as artes plásticas e a arquitectura?), o Teatro Municipal, ou o Parque de Ciência, Cultura e Lazer (ao menos o Pavilhão de Hannover); falou ainda na consolidação de eventos de qualidade, a maior parte dos quais já por nós referidos mais acima.
Oxalá tenha meios, tempo e – disso não duvidamos – equipas para tudo isso. Pela nossa parte, consideramos que demos, ao longo destes dois anos e meio, o contributo que estava ao nosso alcance. O que não significa que não continuemos activos, naquela postura que Rui Nery apelidava de “esperança democrática” e que é própria da circunstância de sermos “agentes fundamentais da democracia”. Duma democracia representativa, que só existirá plenamente quando e enquanto houver, verdadeiramente, uma vontade de cidadania activa nos nossos corações.
Pela Cidade. Uma Carta Constitucional para Coimbra
João Gouveia Monteiro
[26 de Maio de 2001]
O texto que seguidamente se apresenta corresponde a uma reflexão final do Grupo de “Cultura e Turismo” da Pro Urbe, que, desde inícios de 1999, tive o prazer de coordenar. Funciona como um complemento ao relatório discutido no Encontro “Coimbra, cultura. Um olhar para crescer”, realizado no auditório do IPJ, nos dias 19 e 20 de Janeiro de 2001, perante uma plateia numerosa e animada.
Desse dossier foi, entretanto, aprontada uma segunda versão, que inclui significativos melhoramentos em vários sectores, para além de um relatório inédito, sobre as Artes
Plásticas e a Fotografia em Coimbra. Actualmente em fase de ultimação (de forma a poder acolher ainda alguns importantes contributos exteriores à Associação), a variante final desta segunda versão será colocada on line durante o próximo mês de Julho e será disponibilizada a todos (instituições ou particulares) que desejem consultá-la. É este o nosso contributo para a vida da cidade, não pretendemos daí retirar outros dividendos, a nossa única preocupação foi a de ajudar a estudar e a conhecer melhor a vida cultural de Coimbra, as suas potencialidades, os seus principais constrangimentos, os caminhos que melhor podem iluminar o seu futuro.
Falo, portanto, em nome de um grupo relativamente numeroso de pessoas, de idades, interesses e ocupações variados, que, ao longo dos últimos dois anos e meio, dedicou muito do seu tempo livre a este projecto e que, conhecendo-lhe à partida, melhor do que ninguém, as limitações e as fragilidades, se orgulha de o ter levado até ao fim. Oxalá a cidade queira tirar partido dele. Pensamos, sobretudo, nas instituições – oficiais ou não – com responsabilidade ao nível da promoção das actividades culturais, mas também nos seus múltiplos actores e, por que não, em todos aqueles que seguem com mais atenção a vida cultural desta cidade, porque acreditam que existe um futuro cultural para Coimbra.
Vem aí o projecto “Coimbra, Capital Nacional da Cultura” (anunciado, de resto, durante o nosso Encontro no IPJ), não podia haver melhor momento para entregarmos este testemunho, saindo discretamente de cena e abrindo a ribalta a quem a merece mais do que nós.
Queremos, a este propósito, dar conta da nossa satisfação pelo facto de a coordenação do projecto “Coimbra, Capital Nacional da Cultura” ter sido entregue a quem foi, circunstância que encontra, aliás, um notável complemento na recente e feliz resolução do problema da escolha do director do Teatro onde nos encontramos. Ao Comissário Doutor Abílio Hernandez e à sua excelente equipa, ao Director do TAGV Doutor João Maria André e aos seus colaboradores, os votos (que bem sabem serem muito sinceros) de muitas felicidades no exercício das suas novas funções.
É tempo de vos perguntar: quer a cidade de Coimbra manter e consolidar uma associação cívica como a Pro Urbe? Vale a pena continuarmos? Que estímulos e que apoios estão os cidadãos de Coimbra dispostos a garantir a uma organização como a nossa? Não temos sede, não temos funcionários, não temos uma situação financeira minimamente estável. O vasto leque de temas que acompanhamos, a necessidade de tornarmos mais preciso e mais profissional o nosso observatório, impõe que reflictamos sobre a razão de ser deste nosso Congresso e sobre o nosso futuro.
Falemos então de cultura em Coimbra…
Antes de mais, queremos dizer-vos que não há projecto cultural para Coimbra sem haver um projecto para a cidade. Um projecto urbanístico (as vias continuam a interceptar lugares, antes mesmo de sabermos como eles se relacionam entre si), um projecto social, um projecto económico. Coimbra tem esse projecto? Aliás, quem é Coimbra verdadeiramente, não o postal ilustrado, a cidade do fado e da Queima das Fitas, do Basófias e da torre da Universidade, mas a Coimbra das profundezas, centro e periferia, economia e saúde, desporto e espaços verdes, exclusão social e reencontro? Talvez tudo parta daqui.
Nos últimos tempos, uma ideia existe que se tem tornado mais clara a quem tem o vício de pensar a cidade. Cidade sem desenvolvimento industrial, de tecido empresarial muito frágil, sem a “corte” de Lisboa ou o “poder do Norte”. Essa ideia chama-se ‘um futuro cultural para Coimbra’ e escora-se em alguns bons argumentos: o enorme capital de prestígio da cidade, a sua composição social (27% no conjunto das profissões liberais e quadros dirigentes, intelectuais e científicos, e médios; 40% de quadros superiores, quadros médios e empregados com pelo menos o 9.º ano de escolaridade), o seu património construído, mais fundo ainda, o seu património intangível, de cidade de confluência de culturas e de sentimentos, a Coimbra moçárabe, do velho Sesnando da Reconquista. Coimbra, cidade de dupla centralidade (nacional e regional), terá ela um projecto melhor para si mesma do que ser uma cidade de cultura e de ciência, de saúde e de desporto universitário, de turismo de qualidade e de museus? Acreditamos que não. Na Europa, existem diversas cidades médias, universitárias, que afirmaram por aqui o seu caminho, e que são hoje verdadeiros emblemas: Cambridge, Siena, Heidelberg… De resto, as cidades médias europeias têm, regra geral, grande vitalidade. Coimbra, com os seus 30.000 estudantes do Ensino Superior, a que podemos acrescentar outros tantos de outros níveis do ensino, também podia trilhar este caminho, à sua maneira, sem perda de indentidade, antes pelo contrário, tirando partido da aura mítica que a rodeia, da história que envolve as suas colinas, da diversidade e complementaridade das paisagens da sua região. Se alguma conclusão resultou do estudo do nosso grupo sobre a cidade, é concerteza esta: em Coimbra, o futuro passa por uma grande aposta na cultura, em sentido amplo.
Esta estratégia tem, porém, os seus riscos. Em primeiro lugar, não existe cidade fora de um contexto nacional, e talvez não exista ainda hoje um estudo sério, completo, profundo, sobre o conjunto da realidade sócio-cultural portuguesa dos dias de hoje. Não existe, nem em Coimbra, nem em Portugal, uma planificação cultural a longo prazo, um diagnóstico preciso das condições exactas do património cultural e dos equipamentos, um levantamento exaustivo das necessidades, numa visão abrangente, sistematizada, coerente, à escala da administração territorial. Coimbra ressente-se disso. Tal como no país, não há em Coimbra uma estratégia cultural (não há, de resto, uma estratégia de cidade, em sentido amplo, pluri-institucional). Fazem-se coisas boas, muitas. Mas não se conhecem propriamente as prioridades, os outros ramos da árvore, as outras malhas da mesma rede. E, no entanto, em cultura como no resto, cada coisa deveria ter o seu lugar. O país é pobre, o Ministério da Cultura também: cerca de 2,5 milhões de contos por ano para o conjunto dos apoios às artes do espectáculo, é de quem não percebeu ainda que a elevação da qualidade de vida dos portugueses passa sobretudo pela educação, pela fruição cultural, e não tanto pelo betão, pelas auto-estradas (1 Km custa agora perto de 1 milhão de contos), pelos novos aeroportos ou pelos TGV’s. Tudo isto é importante, mas complementar e, sobretudo, muito menos estratégico. Desperdiçar é, portanto, proibido. Mas não é o que se vê. Como testemunhou o Arquitecto José Manuel Castanheira, presente no Encontro “Coimbra, cultura, um olhar para crescer”, no distrito de Castelo Branco, nos 120 ou 130 espaços culturais existentes (e que representam um investimento de 12 milhões de contos desde o 25 de Abril, sob a forma, seja de intervenções de raiz, seja de recuperações recente), em nenhum deles era possível apresentar um espectáculo de teatro em perfeitas condições. A URBI, por exemplo, nasceu com 4 auditórios de raiz, mas nenhum deles serve para outra coisa a não ser para dar aulas, e mesmo assim em más condições… Desta forma, é difícil que, como dizia o Ministro Sasportes no mesmo Encontro, a “casa aberta da cultura” se imponha às casas fechadas e acorrentadas da TV.
Coimbra escapa a este cenário? De modo nenhum! Quantas infra-estruturas culturais de raiz foram erguidas nesta cidade nos últimos 50 anos? Se excluirmos o TAGV, a Casa Municipal da Cultura (com toda a indefinição que rodeou o seu projecto) e o Pólo II, não fica quase nada. A solução tem passado, quase sempre, por reaproveitamentos de espaço, alguns deles excelentes, mas quase todos com limitações incontornáveis. Existe uma estratégia de cidade para Coimbra? Pela cultura, ela não passa com certeza. É que, se passasse, já se tinha dado ela. A diversos níveis. Alguém conhece um inventário completo e actualizado dos principais equipamentos culturais que existem no concelho de Coimbra (por exemplo, do número de salas, das suas capacidades e potencialidades, da existência ou não de palcos, das respectivas dimensões, do seu equipamento, das suas taxas de ocupação) ? Alguém sabe explicar-nos quais são os objectivos precisos daquilo a que Miguel Lobo Antunes chamou, no Encontro do IPJ, o “campo cultural de Coimbra”? Trata-se de facultar a cultura ao maior número de pessoas? Trata-se de privilegiar as crianças e os jovens, os estudantes universitários, as pessoas mais carenciadas, os reformados? Existe uma estratégia para isso? Definiu-se, para tal, uma política de preços? A cidade sabe exactamente o que quer, em termos de associativismo cultural ou de política museológica (excepção feita aos museus universitários)?
Pensamos que não. Portanto, torna-se necessário fazer uma avaliação por objectivos, séria e participada, seja do ponto de vista dos promotores/realizadores (CMC, UC, AAC, Escolas, grupos independentes, etc), seja do ponto de vista dos utentes (as palavras são de Adília Alarcão). A cultura da cidade não pode mais ser pensada numa perspectiva de ‘estudante’ versus ‘futrica’ (a Universidade toma conta dos primeiros, a Câmara dos segundos), essa barreira tem-se diluído, as ambições são outras, os objectivos têm de o ser também
E, no entanto, nós sonhamos ainda com um ‘futuro cultural’ para Coimbra. Deixem-nos sonhar! Mas, atenção, não sonhamos apenas com novos edifícios e equipamentos. Aprendemos há tempo que uma boa infra-estrutura cultural não é só um bom edifício: é preciso quem saiba animar esses espaços de forma profissional, para que seja possível que exista um projecto específico para cada sítio. Mas, também aqui, Coimbra falha demasiado. Existe um investimento sério na formação ou na contratação de animadores culturais? Existe carreira artística em Coimbra? Sejamos sinceros, todos sabemos que não. Em Coimbra, a aventura cultural é ‘uma coisa da mocidade’. Acaba na benção das pastas, e nunca mais regressa. Falta o salto que permite conduzir das ‘coisas giras’ às actividades culturais de tipo profissional. E atenção, porque a cultura ‘a sério’ é uma indústria, vive de agentes especializados e não de meninos talentosos, que não passam da fase do viveiro.
E por que é que Coimbra não retém os seus actores culturais, ou não atrai outros de fora? Que tem hoje Coimbra para o fazer? No plano geral, uma cidade de costas voltadas ao rio, um trânsito caótico, uma sinalética e uma iluminação deficientes, ruas pouco asseadas, muitas delas quase sem uma árvore própria (como a Miguel Torga, uma artéria dita nobre) e mal iluminadas, zonas históricas degradadas e perigosamente desertificadas, um custo tremendo na habitação, um património natural ou construído demasiado descuidado (o GAAC, a ADDAC, a recém criada Al Medina, os utentes do Choupal e de Vale de Canas, que o digam). Olhemos, por exemplo, para Guimarães, para Viana, para apenas citar dois exemplos: quanta diferença, para melhor, nas ruas, na conservação dos centros históricos…
Depois, no plano mais específico das actividades culturais, que pode Coimbra oferecer a quem pensa em fazer carreira no mundo das artes? Observemos alguns dos principais emblemas da vida cultural da cidade: os Encontros de Fotografia (talvez a única iniciativa cultural que traz actualmente gente de fora à cidade), tanto tempo à beira de um ataque de nervos, por falta de apoio financeiro; a Escola da Noite, semi-desalojada; as secções culturais e os organismos autónomos da AAC trabalhando num edifício em confrangedora decadência; outros eventos já são só recordação, como as magníficas Semanas Internacionais de Teatro Universitário…Enquanto isso, os “Encontros Mágicos” são considerados como uma “iniciativa cultural relevante” e conseguem, por via disso, um importante financiamento no quadro das disponibilidades actuais da Câmara Municipal de Coimbra. Justificar-se-á que assim seja, i.é, isso decorre de uma estratégia de prioridades assumida por quem planifica o presente e o futuro cultural da cidade?
Alguém que não seja parte interessada percebe a política de subsídios praticada pelas instituições oficiais com responsabilidade na área da cultura aos vários actores da cidade (ainda que não possa deixar de reconhecer-se que um acréscimo significativo do orçamento para a cultura tem permitido aumentar consideravelmente as actividades e reforçar os apoios a grupos, a associações e a outras entidades intervenientes na vida cultural da cidade)? Existe transparência nesses critérios, existe uma avaliação anual séria e participada, que permita recompensar quem merece e quem tem qualidade? Existe alguma articulação entre as várias instituições relativamente à concessão desses apoios?
Quem, nestas condições, desejará vir para Coimbra, ficar em Coimbra, para fazer cultura, numa perspectiva de vida, de carreira profissional, de longo prazo? Paulo Filipe? José Luís Ferreira? Leonor Barata (não leio mais nomes, só me deram 25 minutos de tempo de antena)? Existem em Coimbra projectos culturais concretos suficientemente estimulantes para atraírem à cidade actores culturais de fora dela? Se calhar podia haver, mas temos deixado que nos escapem: Orquestra Filarmónica das Beiras (Aveiro), Centro Português de Fotografia (Porto), Centro Regional das Artes do Espectáculo (Viseu); etc.
Esta escassa (para não dizer quase nula) capacidade de sedução de Coimbra sobre os agentes culturais tem as piores consequências. Antes de mais, o isolamento da cidade, que tende a virar-se para dentro, a perder as referências nacionais e internacionais, imprescindíveis à recriação permanente, que a própria ideia de cultura implica. A cidade perde, assim, a possibilidade de ter uma relação mais viva e mais directa com a contemporaneidade. Aloja-se num ‘fora de tempo’ castrador. Veja-se, por exemplo, o que sucedeu ao nível da dança contemporânea, que foi, nos anos 80 e 90, em Portugal e lá fora, talvez o movimento mais marcante, mais vivo, mais inovador, ao nível das artes de palco. Existiu em Coimbra, durante os últimos vinte anos, um cheirinho sequer desse movimento? É óbvio que não. A dança, em Coimbra, continua, injustamente, quase na fase do ghetto, e reduz-se ao ballet clássico, ao flamengo, às danças de salão, e pouco mais.
Não pensem, porém, que viemos aqui para ‘deitar abaixo’. No nosso papel de ‘critical boys’, em que fomos investidos há quatro meses, não podíamos, evidentemente, deixar de fazer alguns reparos. Mas também temos algumas ideias, algumas pistas, algumas sugestões para quem as quiser aproveitar.
Queremos, antes de mais, dizer-vos, que, antes de construir, de transformar, deveríamos reflectir um pouco mais sobre nós mesmos. Por exemplo, impõe-se que conheçamos mais a fundo a população estudantil de Coimbra, os seus hábitos culturais, a sua mobilidade. E o resto da população também, a do centro e a da periferia. O magnífico estudo realizado em 1999 nas Oficinas do CES, sobre consumos culturais nas cidades de Braga, Guimarães, Porto, Aveiro e Coimbra, fornece pistas preciosas, que deviam ser exploradas. Cidade terciária e com elevado peso de elites qualificadas, Coimbra surge destacada das outras quatro concorrentes num primeiro patamar, em matéria de intensidade e densidade dos consumos culturais. É, aliás, em Coimbra que os públicos de algumas actividades culturais assumem maior expressão. Só entre os conimbricenses se encontram várias actividades cujos públicos assumem uma expressão superior a 30%: exposições de pintura (36%); frequência de concertos rock/pop (34%); frequência de espectáculos de teatro (33%); visitantes de exposições de fotografia (31%). São as marcas da Universidade no ambiente urbano, garantindo médias mais altas de instrução e de qualificação profissional. Isto devia fazer-nos reflectir, ao pensarmos Coimbra. Para mais, vivemos num país onde, como explicam aqueles autores, a TV generalista e popular penetra virtualmente todo o universo social e onde várias indústrias culturais viradas para o grande público enfrentam barreiras sociais muito importantes (de instrução, de idade, entre outras). Um país onde, como se sabe, os públicos culturais são minoritários, mesmo dentro dos grupos sociais mais favorecidos e qualificados.
Por outro lado, Coimbra é uma cidade de jovens, já o dissemos. Quase metade da sua população (cerca de 130.000 habitantes) são estudantes, 70% dos quais ainda no Ensino Secundário (portanto, o nosso público de hoje e do futuro). Uma estratégia de desenvolvimento cultural para Coimbra tem necessariamente de ter isto em conta. O trabalho realizado na Oficina do CES (assinado por Augusto Santos Silva e por Carlos Fortuna, entre outros) mostra bem a especificidade dos hábitos culturais juvenis: maior prática desportiva, maior adesão à música moderna e à dança, maior disponibilidade e mobilidade, maior acção sobre a transformação geral dos consumos culturais e lúdicos, graças à sua ligação ao mundo do audiovisual.
Uma estratégia de desenvolvimento cultural para Coimbra tem, portanto, de se adequar a este cenário. Nas cidades universitárias portuguesas há – disse-o o Ministro José Sasportes – um certo divórcio entre a vida da cidade e a vida cultural dos seus estudantes, circunstância que talvez mereça a pena ser comprovada e interpretada sociologicamente (de alguma forma, iniciativas como a Semana da Mostra Cultural da Universidade de Coimbra têm ajudado a fomentar um diálogo cultural vivo com a cidade e, por isso, merecem muito ser acarinhadas).
Depois, há que encarar de frente a questão das infra-estruturas e dos equipamentos culturais. Que diabo, quanto tempo mais vai a cidade esperar por ter uma alternativa que seja ao Teatro Gil Vicente? Como disse recentemente o meu amigo João Maria André, Coimbra foi ‘Capital Nacional do Teatro’ há nove anos, mas continua com uma única (que me perdoe o meu amigo João Fernandes) verdadeira sala de espectáculos. E ainda há quem não desconfie das ‘capitais’ disto ou daquilo! Depois do desaparecimento do Teatro Sousa Bastos, uma sala houve que desapareceu duas vezes em 15 anos (o Teatro Avenida), um novo espaço (aberto) foi construído (o controverso Queimódromo), e nada mais. Comissário Hernandez, por favor, se não tiverem tempo de fazer mais nada, pelo menos contrariem este pesadelo. Até porque, se tudo correr bem, e para além da aquisição (esperemos que definitiva) do nosso Pavilhão em Hannover para o Parque de Ciência, Cultura e Lazer, e também da montagem de um Pavilhão situado ao lado do Quartel dos Bombeiros, Coimbra poderá ter dentro de dois anos dois novos espaços culturais: o Teatro do Pátio da Inquisição e o Teatro Municipal. Quanto a este último, esperamos que os especialistas (i.é, os arquitectos) sejam ouvidos (só eles podem conceber correctamente um bom teatro) e que as legítimas expectativas dos actores não sejam frustradas. É também preciso que haja um debate público sobre a localização, a configuração e a contextualização deste novo espaço (afinal, não é o povo o nosso melhor arquitecto?). O exemplo do que se passou relativamente ao Teatro da Inquisição não é de molde a dissipar os nossos receios.
Não pensamos, contudo, só em espaços vocacionados para as chamadas artes de palco, performativas. Coimbra não pode continuar sem espaços e sem equipamentos condignos para acolher eventos tão importantes (que o futuro Palácio dos Congressos não poderá receber) quanto a Expovita, a CIC, a Feira do Livro ou o Salão Automóvel. O recurso sistemático às tendas na Praça da República é uma coisa que deveríamos deplorar, tanto quanto o turista que nos visita deplora a estação ferroviária que o acolhe à chegada ao seu novo destino. Triste fidalguia a nossa.
Mas o problema não está só nos grandes espaços. É também fundamental que a cidade acarinhe os pequenos equipamentos culturais, espaços de respiração, de inovação, de laboratório, como lhes chamou José Luís Ferreira no Encontro do IPJ. A maior parte da produção teatral portuguesa faz-se em salas de pequena dimensão, numa escala de 200 a 400 lugares. Espaços com a qualidade, por exemplo, de um Auditório Nacional Carlos Alberto. Coimbra precisa também deste tipo de espaços, porventura será mesmo neles que deverá fazer a sua maior aposta. Qual teria sido a história do TEUC e do CITAC, sem os seus pequenos teatros de bolso? Na minha opinião, eles são tão importantes quanto a ampla sala em que nos encontramos (ainda que esta também precise de um arranjo, ao menos no circuito de som, nas cadeiras – que são ainda as de origem, apesar de restauradas – e no palco). Portanto, há pequenas salas que têm de ser, o mais possível, acarinhadas (penso, por exemplo, no auditório do IPJ) e cadáveres que não podemos mais alumiar. Um deles, que me revolta todos os dias, é o Teatro Paulo Quintela, na minha própria Faculdade de Letras. Numa Faculdade que tem um Instituto de Estudos Teatrais, uma Sala de Cinema, um Mestrado de Ciências Musicais, diversas cadeiras destas três especialidades, numa Faculdade que vai abrir em 2002-2003 uma licenciatura em Estudos Artísticos, como é que se pode admitir o protelamento da reforma do Paulo Quintela? Existe um projecto excelente, assinado pelo Arquitecto Fernando Távora e no qual especialistas como o João Mendes Ribeiro trabalharam arduamente, por que razão ele continua por executar? É preciso fazer uns ajustamentos, criar uma saída independente, garantir um bengaleiro e uma cafetaria? Muito bem? Há solução para isso, ou não há? Se há, de que é que estamos à espera há uma quantidade de anos? Se não há, por que razão não se fez um outro projecto? Peço aqui à Reitoria da Universidade (e em particular ao nosso Vice-Magnífico Reitor, Professor Seabra Santos, que sei estar bem atento a este problema) que se empenhe até ao fim no resgate deste novo Tolan, cuja degradação, além de um contrasenso, é um atentado à pobreza e uma ofensa ao nome do grande mestre Paulo Quintela.
Fundamental nos parece também que os numerosos projectos anunciados pela Senhora Vereadora da Cultura para a renovação dos espaços culturais de Coimbra sejam concretizados em tempo útil. E que se esclareça exactamente o destino de alguns desses espaços, para que depois não tenhamos de chorar a ausência de algumas valências fundamentais (penso, por exemplo, na falta que faz um auditório na Casa Municipal da Cultura, um espaço de que gosto particularmente, pela localização, pelo ambiente, pela belíssima Imagoteca que devemos ao Dr. Alexandre Ramires, pelo ternura de uma Ludoteca de que ninguém consegue não gostar). Deste ponto de vista (o da concretização dos projectos da Câmara), parece-nos que seria muito bom se a Rede de Anexos da Biblioteca Municipal pudesse começar a ser realmente implementada até ao final do ‘Coimbra, Capital da Cultura’ (esperamos também pela concretização da Biblioteca de Santa Clara), que o Museu dos Transportes fosse também resgatado da indignidade em que sucumbe há tanto tempo (ou então que o projecto seja definitivamente enterrado) e que as várias peças do futuro Museu da Cidade fossem articuladas num todo intencional ao serviço da cultura coimbrã: Edifício Chiado, Sala da Cidade, Torre de Anto (estas duas, sede de exposições regulares bastante interessantes), Torre de Almedina… Quanto a esta última, os meus votos de historiador de que a dupla mudança de sede do valioso espólio documental do Arquivo Municipal (da Almedina para a Casa da Cultura, e daqui para Montes Claros) se faça em condições da maior segurança e rapidez.
É claro que, ao falarmos de tudo isto, estamos também a falar de dinheiro. De dinheiro municipal e, sobretudo, de dinheiro do poder central (ao que se sabe, sonhar com o mecenato cultural é, a não ser em grandes projectos que não cabem nas fronteiras de Coimbra, esperar a ‘visita do anjo’). A autarquia, só por si, não pode fazer face à maior parte das despesas (pode é planear correctamente, estabelecer democrática e inteligentemente as prioridades, reivindicar do Estado aquilo a que temos direito). Mas, sobre dinheiro, não foi o Ministro Sasportes que anunciou no nosso Encontro de Janeiro que o Programa Operacional da Cultura constituirá uma oportunidade excepcional, com a dotação de cerca de 2 milhões de contos por ano, durante um período de seis anos? Será que, nesta fortuna, não há uns algarismos à esquerda do cifrão que possam ser encaminhados para Coimbra?
De qualquer maneira, também devemos dizer que pensar na construção, ou (hipótese menos interessante), na reconversão dos espaços culturais, não é a única forma de pensar a questão dos equipamentos que servem a cidade de Coimbra. É claro que há projectos de sonho, que todos gostaríamos de ver realizados. Eu, por exemplo, sonho, noite sim, noite não, com a retirada da Penitenciária do coração cultural de Coimbra. Como já dizia o meu avô materno, aos presos, tanto se lhes faz estar detidos na Rua de Tomar como na Pampilhosa do Botão. Além disso, se a Penitenciária dali saísse, seria a própria segurança da cidade a beneficiar com isso. Ora, se o terreno para o novo edifício já foi pensado, avaliado, então por que não se avança com a ideia? Se a ‘Capital Nacional da Cultura’ pudesse dar um jeitinho, daríamos decerto régias alvíssaras de gratidão ao seu Comissário. Vocês já viram o que poderia ser um espaço daquela dimensão e naquele lugar ao serviço do ‘futuro cultural de Coimbra’, por muitos problemas de reconversão arquitectónica que pudesse suscitar?
Admito, no entanto, que possa haver dificuldades. Há, como disse, outras soluções para a questão dos equipamentos culturais. Uma delas pode, por exemplo, passar pela inclusão de Coimbra em redes mais amplas, a uma escala, digamos, regional. Se a Orquestra Filarmónica das Beiras parece ter sido, a este respeito, uma boa oportunidade que se perdeu (Aveiro já tem hoje uma boa rotina de consumo de música clássica, et pour cause), outras poderão aproveitar-se. Também aqui, a centralidade de Coimbra pode e deve ser rentabilizada.
A uma outra escala, neste caso mais concelhia, também se deveria incrementar a existência de bons ‘espaços de produção’ servindo vários grupos culturais (p.ex: as companhias de teatro, que em Coimbra já são mais de uma dúzia). Refiro-me, designadamente, a complexos bem projectados, integrando salas de ensaio e adereços, ateliers de guarda-roupa, espaços administrativos, entre outros. Mesmo que aí se não produzissem espectáculos, isso prestaria um serviço inestimável às companhias e configuraria um complemento estupendo para uma rede de teatros e cine-teatros. Actualmente, em muitos grupos de teatro, é nas casas e nas garagens particulares dos actores ou dos responsáveis pelos grupos que se abriga o material indispensável à produção dos espectáculos. Querem coisa mais terceiro-mundista, para mais numa cidade que se diz ‘da cultura’ e ‘dos museus’?
Da mesma forma, os espaços culturais não nos parece que devam ser concebidos como simples ‘mercados’. Deseja-se, ou deveria desejar-se, que o público seja também actor, e, para tal, complementos como bares, restaurantes, livrarias, locais de encontro, etc., deveriam ser valorizados nos novos equipamentos a projectar. Penso, por exemplo, no papel nuclear que cumpre, aqui no TAGV, um espaço como o foyer do primeiro piso…
Agora, também é bem verdade que só as infra-estruturas não resolvem, por si sós, o problema (ou, pelo menos, todos os problemas). Mesmo em Coimbra, onde a carência delas é dramática (e, neste ponto, ainda que caricaturalmente e contra a autorizada opinião do ex-director do CCB, um espaço que pertence a outra galáxia, mantemos que a superação desta carência poderia, em Coimbra, optimizar em 200% a actividade cultural da cidade).
E quais são então as outras faces do poliedro? Em primeiro lugar, uma aposta forte na formação. Não há ‘futuro cultural’ para Coimbra se essa aposta não for, de imediato, levada a sério. O auto-didactismo deve, portanto, ir cedendo o seu lugar à formação. Como, a propósito da música, explicava Rui Vieira Nery, na sua intervenção no Encontro do IPJ (e notem bem a quantidade de referências que, sem esforço algum, eu já fiz a esta iniciativa, que alguns consideraram uma ofensa à cidade e uma perda de tempo), tem de ser dada uma prioridade absoluta à formação: no plano geral (das creches à Universidade, em termos curriculares e extra-curriculares); no plano vocacional (i.é, em termos de formação de profissionais especializados – intérpretes, compositores, investigadores, formadores, animadores, programadores, etc. – seja no Conservatório, seja na Universidade); e no plano da formação contínua (ou seja, do associativismo cultural, da alfabetização musical, na linha da velha e boa tradição pedagógica de Coimbra). Esta formação deverá, ao mesmo tempo, garantir a diversidade das linguagens nacionais (da música clássica ao rock de garagem – que é particularmente relevante em Coimbra – , incluindo as mornas – pensamos no Espaço Lusófono) e não poderá deixar de ser acompanhada da criação de estruturas de produção estáveis, ao nível da prática musical e dos espaços (seja nas bandas amadoras e nos grupos de fado, seja nos grupos profissionais, e incluindo sempre equipas técnicas adequadas, ao serviço de uma estratégia cultural bem definida).
Como se vê, esta questão da formação entronca directamente no problema da programação cultural. Aí, seguindo sempre o raciocínio de Rui Nery, pensamos que a intervenção dos poderes públicos deve ter sobretudo em linha de conta a necessidade de viabilizar os géneros minoritários, diversificando a programação e os públicos, cruzando esses públicos (através do alargamento da oferta), abrindo caminho à inovação. Se a função do programador é ‘levar as pessoas a sair de casa’, ela não pode descurar uma tridimensionalidade essencial: tem de abrir-se às grandes correntes internacionais (sob pena de ser parola e provinciana); deve assumir um padrão nacional (as redes regionais são boas, mas cumprem outras funções: equipamentos, divulgação, publicidade); e não pode desprezar as tradições locais (que em Coimbra, em vários domínios, como a música e o teatro, são extremamente ricas).
Não se pretende, com isto, sugerir que a vida cultural da cidade se torne numa alucinação, num frenesim. É óbvio que isso não é possível. Um dos nossos grandes desafios consistirá, justamente, em privilegiar a regularidade dos eventos culturais de qualidade, em vez da quantidade dos eventos culturais de gosto duvidoso. Importa criar boas rotinas, bons hábitos culturais (mesmo que com uma oferta mais reduzida), mais do que provocar picos de espectáculos, separados por grandes brancas na oferta. Por isso, temos sempre dito que eventos de qualidade como o Festival Internacional de Música, o Festival José Afonso, os Ciclos de Quartas de Jazz, os Caminhos do Cinema Português (atenção à crescente notoriedade deste festival) e, de certa maneira, também as Noites de Verão (os espaços ao ar livre, assim como alguns espaços históricos, têm, de resto, sido uma boa e imaginativa aposta cultural da edilidade), assim como pelo menos algumas das noites da Queima das Fitas, são acontecimentos que devem ser privilegiados na nossa programação cultural. O efeito de stop and go (como é, por exemplo, provocado em localidades que recebem, no Verão, grandes festivais de música, mas onde depois, no resto do ano, a oferta cultural é escassíssima) não se recomenda, nem se deseja para Coimbra.
É claro que este apoio pressupõe uma escolha, uma selecção, uma estratégia toda feita de intenção, que é o que, no nosso modesto entender, falta sobretudo em Coimbra. Servindo-nos das palavras de João Maria André, no recente debate sobre a política cultural autárquica promovido pela CDU, “apesar do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pelo Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Coimbra, falta ainda uma estratégia para a cultura em Coimbra baseada em opções de fundo, estruturada a partir do estabelecimento de objectivos e assente numa macrovisão do desenvolvimento das infra-estruturas e dos recursos humanos qualificados que darão corpo a essa estratégia. Falta, no fundo, a articulação da cultura com um projecto de cidadania. (…) É urgente, em Coimbra, aproximar a Rua Pedro Monteiro da Praça 8 de Maio (…) Por mais que se empenhem os responsáveis pelo Departamento da Cultura e da sua Casa Municipal, por mais iniciativas que promovam, não haverá uma efectiva política cultural enquanto a cultura não invadir todos os gabinetes da Câmara Municipal (e também, claro, do seu Presidente), e não for a alma de cada uma das políticas sectoriais e, assim, a coluna vertebral da sua coerência e da articulação da sua pluralidade interventiva”.
Finalmente, gostaríamos de referir ainda dois aspectos, que nos parecem essenciais para a melhoria da vida cultural coimbrã: a coordenação e a divulgação. Quer-nos parecer que há transversalidade a menos, diálogo a menos, logo, coordenação a menos, entre as instituições com responsabilidade na matéria. Isso nota-se, por exemplo, no carácter desorganizado, casuístico, da política de apoios aos diversos grupos e actores culturais. Seria, assim, importante que a Câmara Municipal, a Delegação Regional do Ministério da Cultura, a Universidade de Coimbra, a Comissão de Coordenação da Região Centro e a Região de Turismo do Centro organizassem melhor esse diálogo, criassem alguma sinergia em torno da actividade cultural de Coimbra, uma sinergia que permitisse o parto da ‘indústria cultural’ de que a cidade necessita, se quiser construir por aí o seu futuro. Complementarmente, outras associações e estruturas (como o INATEL, o GAAC, a ADDAC, o IPJ, o Centro de Emprego e Formação) ganhariam espaço para uma intervenção mais regular e sustentada, e até mais ‘dirigida’ a problemas concretos e, por isso, porventura mais eficaz.
Neste enquadramento, subscrevemos inteiramente as palavras de Adília Alarcão, quando esta refere, em resposta a um inquérito do “Público”, ser desejável que a autarquia não se comporte como um ‘agente cultural’, mas sim como fomentadora e coordenadora de estratégias de mobilização e de financiamentos, de obtenção de equipamentos, de fixação de artistas, de técnicos, de promotores e programadores, de desenvolvimento de novos hábitos culturais e de actos criativos.
Entretanto, dificilmente se rejuvenesce e se reorganiza a nossa agenda cultural sem um novo impulso ao nível da promoção e da divulgação dos espectáculos. Isso é fundamental para se conseguir o tal efeito de ‘levar o espectador a desligar a televisão e a sair de sua casa’. A oferta cultural em Coimbra tem de ter, não só mais dimensão e mais regularidade, como também muito mais visibilidade. Tem, para isso, de se admitir que a promoção da ‘indústria cultural’ que reivindicamos para Coimbra exigirá um investimento elevado (Eduardo Prado Coelho estimou-o em cerca de 40%). É preciso utilizar estratégias de comunicação e de sedução eficazes, suportar os custos elevados da promoção e da publicidade (que podia ser muito mais bem coordenada), atitudes indispensáveis para contrariar uma certa imprevisibilidade e, por vezes, escassez do público de Coimbra. Por outro lado, é óbvio que temos de ganhar a batalha da comunicação social. O que, a este respeito, João Figueira escreve no seu pequeno relatório incluído no nosso dossier é extremamente revelador…
É tempo de concluir. Viemos aqui propor um ‘futuro cultural’ para Coimbra. Ou seja, que se construa um ‘projecto de cidade’ para Coimbra que passe sobretudo pela cultura, pela ciência, pela saúde, pelo turismo. A grande riqueza de Coimbra é, creio que ninguém duvida disso, o seu património cultural (móvel e imóvel), entendido este, não como realidade fossilizada e estática (as palavras são de Eduardo Prado Coelho), mas como plataforma viva, incentivadora, económica e estética, situando-se num plano que deverá sempre ser de vanguarda. Este fabuloso potencial não está hoje devidamente aproveitado. E é pena. A integração estratégica de uma política patrimonial e museológica em Coimbra, a criação de circuitos turísticos inovadores (ampliando os actuais percursos pelas memórias da nossa tradição literária e dos nossos escritores, em boa hora iniciados pela Câmara), abririam um novo futuro à cidade. O turismo é hoje a maior indústria do mundo. No seu seio, o turismo cultural é já um agente dinâmico da maior importância, que transforma grandes cidades (como Bilbao) e pequenas povoações (como Mértola). Coimbra tem adiado a profissionalização desta aposta, que pressupõe, não apenas medidas pontuais, mas um estudo sério, a identificação clara de objectivos e de prioridades, e uma estratégia de angariação e dispêndio de meios financeiros coerente e rigorosa. A condição letrada de cerca de 50% da população de Coimbra, a sua elevada componente juvenil, a existência regular de Congressos, a possibilidade de elevar a urbe a uma posição ímpar no contexto do desporto universitário, justificam, entre muitos outros argumentos, esse esforço.
Esta progressão permitiria, talvez, a Coimbra, um novo enquadramento na rede activa das cidades europeias, ao mesmo tempo que lhe permitiria desempenhar um outro papel de dinamização no seu próprio espaço regional e local (o que implicaria também um novo olhar e uma nova relação com a periferia, sendo por isso mesmo urgente a concretização da anunciada rede cultural concelhia e a sua rápida dignificação).
Que papel pode desempenhar, na complexidade deste puzzle, o projecto ‘Coimbra, Capital da Cultura?”. Em nosso entender, e antes de mais, um papel de ignição, de catalização de uma nova atitude de Coimbra relativamente à sua vida e ao seu projecto de cidade. É preciso fazer estudos, avaliar bem as possibilidades e os meios, escutar opiniões, confrontar experiências, sem o provincianismo de recusar os forasteiros e admitindo que há ainda demasiadas questões para as quais ninguém conhecerá respostas definitivas. Depois, é preciso começar a construir, pelos alicerces. O Comissário do evento, Professor Abílio Hernandez, disse, numa entrevista às “Beiras”, ser necessário que “no fim da festa, haja novos profissionais na área da cultura e afins, como as novas tecnologias ou o turismo cultural”; acrescentou que “é preciso deixar pessoas apetrechadas”, “cimentar os públicos que já existem e criar novos públicos”, abraçar grandes projectos, como o Centro de Arte Contemporânea (será o reencontro da cidade com as artes plásticas e a arquitectura?), o Teatro Municipal, ou o Parque de Ciência, Cultura e Lazer (ao menos o Pavilhão de Hannover); falou ainda na consolidação de eventos de qualidade, a maior parte dos quais já por nós referidos mais acima.
Oxalá tenha meios, tempo e – disso não duvidamos – equipas para tudo isso. Pela nossa parte, consideramos que demos, ao longo destes dois anos e meio, o contributo que estava ao nosso alcance. O que não significa que não continuemos activos, naquela postura que Rui Nery apelidava de “esperança democrática” e que é própria da circunstância de sermos “agentes fundamentais da democracia”. Duma democracia representativa, que só existirá plenamente quando e enquanto houver, verdadeiramente, uma vontade de cidadania activa nos nossos corações.
opinião
Coimbra 2004[texto publicado no Público, Fevereiro de 2004]
O Grupo da Cultura do Conselho da Cidade promoveu no dia 24 de Janeiro o debate Coimbra 2003: e depois da festa? para discutir os efeitos da Capital Nacional da Cultura e descobrir novas pistas de reflexão e intervenção. Mais de uma centena e meia de cidadãos fizeram questão de marcar presença, comprovando que Coimbra possui suficiente massa crítica para encarar a cultura como elemento-chave na definição de uma estratégia para o seu desenvolvimento.
Inevitavelmente, uma parte significativa do debate foi centrada na forma como decorreu a Capital da Cultura, confrontando os resultados obtidos com os objectivos inicialmente delineados em áreas como a programação, o desenvolvimento de públicos, a formação, as infraestruturas, entre outros. Detemo-nos, por agora, em algumas das ideias lançadas sobre o futuro da cidade.
As ausências
Não fora a qualidade e a profundidade das intervenções e este debate ficaria para a história como o debate das ausências.
O Ministro da Cultura apresentou um argumento formal que temos dificuldade em compreender: sendo certo que os relatórios não estão ainda concluídos e que pode fazer sentido apresentar o primeiro balanço oficial da Coimbra 2003 na Assembleia da República, nenhuma dessas razões impedia a sua presença. Pelo contrário, a riqueza da discussão que aqui teve lugar ter-lhe-ia fornecido elementos importantíssimos para a sua própria reflexão. Por outro lado, o seu regresso a Coimbra já em 2004 seria um sinal de que o Ministério continua interessado em participar no desenvolvimento cultural desta cidade. Esse sinal não foi dado.
O Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, em deslocação oficial ao estrangeiro, enviou-nos uma comunicação escrita que apresentámos à audiência. Foi notada, no entanto, a ausência de qualquer representação da autarquia, oficial ou oficiosa, numa iniciativa que reuniu os principais responsáveis e agentes culturais da cidade. Confirmado o interesse do Presidente pela matéria em questão, ficaram por provar o interesse e o empenho do restante Executivo.
Mas nem só na mesa foram notadas ausências importantes. A Coimbra 2003 assentou, recorde-se, num consórcio de várias instituições que, em tempo de festa, fizeram questão de afirmar a sua dedicação à cultura: Universidade de Coimbra, Comissão de Coordenação, Instituto Politécnico, Fundação Bissaya-Barreto, ACIC, Clube dos Empresários. Agora que a festa acabou, apenas a primeira se fez representar. Um (outro) mau sinal, que esperamos que possa ainda vir a ser corrigido.
Um pacto de cidade
Estas ausências são preocupantes sobretudo tendo em conta a necessidade (identificada no debate) do envolvimento de um leque diversificado de agentes e instituições, locais e nacionais, na definição de uma estratégia para a cidade. Aquilo a que, de uma forma mais directa, Carlos Fortuna e António Augusto Barros chamaram de “pacto de cidade” mas que tanto João Maria André como Seabra Santos consideraram igualmente essencial.
Um “pacto” que exige a iniciativa dos agentes culturais e apela ao seu sentido de responsabilidade e à sua capacidade de elaboração e execução de projectos, mas que não poderá nunca prescindir da participação activa, solidária e co-responsável dos órgãos de poder. Naturalmente, a Câmara Municipal de Coimbra assume aqui um papel decisivo: porventura mais importante do que a sua contribuição financeira, é o lugar de pivot, que só ela pode ocupar, na ligação ao Governo Central, definindo e reivindicando para Coimbra o estatuto de pólo cultural de referência que sem dúvida tem condições intrínsecas para assumir. Para que não sejam inconsequentes as palavras que justificaram Coimbra como “natural” primeira escolha para as Capitais Nacionais da Cultura; para que sejam denunciados os inaceitáveis argumentos segundo os quais Coimbra “já recebeu muito” em 2003 e que agora é a vez de outras cidades; para que não se esbanje o investimento que apesar de tudo a Coimbra 2003 cativou para a cidade; para que as “capitais” possam efectivamente servir de instrumento a políticas culturais sustentadas.
Um “pacto”, ainda, que deverá alargar-se à sociedade civil, às empresas, às fundações, à população em geral. Não por uma questão de benemerência, mas porque a cultura é, de facto, o único destino possível para esta cidade. É o nosso maior recurso e o único que estamos ainda a tempo de rentabilizar – para benefício próprio, naturalmente, mas também (e é doloroso que seja preciso explicá-lo) para benefício de todo o país.
Um “pacto”, finalmente, que não se compadece com concepções arcaicas da cultura “de mão estendida”, no seio do qual responsáveis políticos, agentes culturais e sociedade civil se encarem como verdadeiros parceiros e saibam aproveitar os recursos de cada um em nome de objectivos comuns. Um “pacto”, afinal, de confiança.
Cinco ideias-chave
Quais as bases, então, em que poderá assentar este “pacto”? Em que se sustenta este “destino cultural” que reivindicamos? Que estratégia concreta para o perseguirmos?
Elencamos cinco ideias-chave que consideramos essenciais, apresentando-as como pistas para um trabalho a médio-longo prazo mas que exige algumas acções imediatas:
1) apostar na formação de qualidade, ao nível médio e superior, na área artística e nas áreas que com ela se relacionam directa ou indirectamente: técnica, produção, gestão cultural, marketing cultural, turismo, entre outras;
2) investir na recuperação e valorização do(s) património(s) únicos que distinguem esta cidade: o seu centro histórico, naturalmente (independentemente de quaisquer classificações internacionais, ou antes mesmo de nos preocuparmos com elas), mas também os acervos museológicos, bibliográficos e outros que permanecem longe do conhecimento do público;
3) aprofundar a dotação da cidade em termos de equipamentos culturais qualificados, no âmbito de um plano estratégico que preveja atempadamente os respectivos programas de ocupação e gestão, de acordo com as principais carências e potencialidades da cidade e dos agentes que nela actuam;
4) criar condições de estabilidade para o desenvolvimento da actividade das estruturas profissionais de criação artística, sem deixar de incentivar o aparecimento de novos projectos (rentabilizando o imenso potencial de uma cidade jovem e universitária) e valorizando a riqueza associativa na área da cultura e recreio existente no concelho e na região – a diferenciação de objectivos e necessidades e, consequentemente, de estratégias de intervenção, será o primeiro passo para a definição de um plano eficaz, que articule estes três sectores;
5) potenciar e manter aberto um diálogo franco entre instituições públicas e privadas, agentes culturais e responsáveis políticos, entendendo a cultura como espaço privilegiado para o exercício da cidadania, experimentando fórmulas como o “Observatório das Artes” proposto pela Universidade de Coimbra.
E depois da festa?
Ninguém esperaria deste debate respostas definitivas à pergunta que ele próprio colocava. Conseguiram-se, apesar de tudo, boas pistas de trabalho, que vale a pena perseguir e aprofundar. O Grupo da Cultura do Conselho da Cidade manter-se-á naturalmente atento, participativo, contributivo. Os agentes culturais e os cidadãos que participaram no debate provaram igualmente que continuam empenhados em ajudar a cidade a assumir um papel decisivo no desenvolvimento cultural do país.
Esperemos, então, que os maus sinais que este debate também trouxe a público não passem disso mesmo e não sejam sintomas de uma ressaca anunciada. Até porque o sucesso da Coimbra 2003 será medido pelo que conseguirmos que seja a Coimbra 2004. Pelo menos aí ainda vamos a tempo.
O Grupo da Cultura do Conselho da Cidade promoveu no dia 24 de Janeiro o debate Coimbra 2003: e depois da festa? para discutir os efeitos da Capital Nacional da Cultura e descobrir novas pistas de reflexão e intervenção. Mais de uma centena e meia de cidadãos fizeram questão de marcar presença, comprovando que Coimbra possui suficiente massa crítica para encarar a cultura como elemento-chave na definição de uma estratégia para o seu desenvolvimento.
Inevitavelmente, uma parte significativa do debate foi centrada na forma como decorreu a Capital da Cultura, confrontando os resultados obtidos com os objectivos inicialmente delineados em áreas como a programação, o desenvolvimento de públicos, a formação, as infraestruturas, entre outros. Detemo-nos, por agora, em algumas das ideias lançadas sobre o futuro da cidade.
As ausências
Não fora a qualidade e a profundidade das intervenções e este debate ficaria para a história como o debate das ausências.
O Ministro da Cultura apresentou um argumento formal que temos dificuldade em compreender: sendo certo que os relatórios não estão ainda concluídos e que pode fazer sentido apresentar o primeiro balanço oficial da Coimbra 2003 na Assembleia da República, nenhuma dessas razões impedia a sua presença. Pelo contrário, a riqueza da discussão que aqui teve lugar ter-lhe-ia fornecido elementos importantíssimos para a sua própria reflexão. Por outro lado, o seu regresso a Coimbra já em 2004 seria um sinal de que o Ministério continua interessado em participar no desenvolvimento cultural desta cidade. Esse sinal não foi dado.
O Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, em deslocação oficial ao estrangeiro, enviou-nos uma comunicação escrita que apresentámos à audiência. Foi notada, no entanto, a ausência de qualquer representação da autarquia, oficial ou oficiosa, numa iniciativa que reuniu os principais responsáveis e agentes culturais da cidade. Confirmado o interesse do Presidente pela matéria em questão, ficaram por provar o interesse e o empenho do restante Executivo.
Mas nem só na mesa foram notadas ausências importantes. A Coimbra 2003 assentou, recorde-se, num consórcio de várias instituições que, em tempo de festa, fizeram questão de afirmar a sua dedicação à cultura: Universidade de Coimbra, Comissão de Coordenação, Instituto Politécnico, Fundação Bissaya-Barreto, ACIC, Clube dos Empresários. Agora que a festa acabou, apenas a primeira se fez representar. Um (outro) mau sinal, que esperamos que possa ainda vir a ser corrigido.
Um pacto de cidade
Estas ausências são preocupantes sobretudo tendo em conta a necessidade (identificada no debate) do envolvimento de um leque diversificado de agentes e instituições, locais e nacionais, na definição de uma estratégia para a cidade. Aquilo a que, de uma forma mais directa, Carlos Fortuna e António Augusto Barros chamaram de “pacto de cidade” mas que tanto João Maria André como Seabra Santos consideraram igualmente essencial.
Um “pacto” que exige a iniciativa dos agentes culturais e apela ao seu sentido de responsabilidade e à sua capacidade de elaboração e execução de projectos, mas que não poderá nunca prescindir da participação activa, solidária e co-responsável dos órgãos de poder. Naturalmente, a Câmara Municipal de Coimbra assume aqui um papel decisivo: porventura mais importante do que a sua contribuição financeira, é o lugar de pivot, que só ela pode ocupar, na ligação ao Governo Central, definindo e reivindicando para Coimbra o estatuto de pólo cultural de referência que sem dúvida tem condições intrínsecas para assumir. Para que não sejam inconsequentes as palavras que justificaram Coimbra como “natural” primeira escolha para as Capitais Nacionais da Cultura; para que sejam denunciados os inaceitáveis argumentos segundo os quais Coimbra “já recebeu muito” em 2003 e que agora é a vez de outras cidades; para que não se esbanje o investimento que apesar de tudo a Coimbra 2003 cativou para a cidade; para que as “capitais” possam efectivamente servir de instrumento a políticas culturais sustentadas.
Um “pacto”, ainda, que deverá alargar-se à sociedade civil, às empresas, às fundações, à população em geral. Não por uma questão de benemerência, mas porque a cultura é, de facto, o único destino possível para esta cidade. É o nosso maior recurso e o único que estamos ainda a tempo de rentabilizar – para benefício próprio, naturalmente, mas também (e é doloroso que seja preciso explicá-lo) para benefício de todo o país.
Um “pacto”, finalmente, que não se compadece com concepções arcaicas da cultura “de mão estendida”, no seio do qual responsáveis políticos, agentes culturais e sociedade civil se encarem como verdadeiros parceiros e saibam aproveitar os recursos de cada um em nome de objectivos comuns. Um “pacto”, afinal, de confiança.
Cinco ideias-chave
Quais as bases, então, em que poderá assentar este “pacto”? Em que se sustenta este “destino cultural” que reivindicamos? Que estratégia concreta para o perseguirmos?
Elencamos cinco ideias-chave que consideramos essenciais, apresentando-as como pistas para um trabalho a médio-longo prazo mas que exige algumas acções imediatas:
1) apostar na formação de qualidade, ao nível médio e superior, na área artística e nas áreas que com ela se relacionam directa ou indirectamente: técnica, produção, gestão cultural, marketing cultural, turismo, entre outras;
2) investir na recuperação e valorização do(s) património(s) únicos que distinguem esta cidade: o seu centro histórico, naturalmente (independentemente de quaisquer classificações internacionais, ou antes mesmo de nos preocuparmos com elas), mas também os acervos museológicos, bibliográficos e outros que permanecem longe do conhecimento do público;
3) aprofundar a dotação da cidade em termos de equipamentos culturais qualificados, no âmbito de um plano estratégico que preveja atempadamente os respectivos programas de ocupação e gestão, de acordo com as principais carências e potencialidades da cidade e dos agentes que nela actuam;
4) criar condições de estabilidade para o desenvolvimento da actividade das estruturas profissionais de criação artística, sem deixar de incentivar o aparecimento de novos projectos (rentabilizando o imenso potencial de uma cidade jovem e universitária) e valorizando a riqueza associativa na área da cultura e recreio existente no concelho e na região – a diferenciação de objectivos e necessidades e, consequentemente, de estratégias de intervenção, será o primeiro passo para a definição de um plano eficaz, que articule estes três sectores;
5) potenciar e manter aberto um diálogo franco entre instituições públicas e privadas, agentes culturais e responsáveis políticos, entendendo a cultura como espaço privilegiado para o exercício da cidadania, experimentando fórmulas como o “Observatório das Artes” proposto pela Universidade de Coimbra.
E depois da festa?
Ninguém esperaria deste debate respostas definitivas à pergunta que ele próprio colocava. Conseguiram-se, apesar de tudo, boas pistas de trabalho, que vale a pena perseguir e aprofundar. O Grupo da Cultura do Conselho da Cidade manter-se-á naturalmente atento, participativo, contributivo. Os agentes culturais e os cidadãos que participaram no debate provaram igualmente que continuam empenhados em ajudar a cidade a assumir um papel decisivo no desenvolvimento cultural do país.
Esperemos, então, que os maus sinais que este debate também trouxe a público não passem disso mesmo e não sejam sintomas de uma ressaca anunciada. Até porque o sucesso da Coimbra 2003 será medido pelo que conseguirmos que seja a Coimbra 2004. Pelo menos aí ainda vamos a tempo.
opinião
Repto aos candidatos
[texto publicado no Diário de Coimbra, 16/02/2005]
A cultura é um tema tradicionalmente secundarizado na acção política em Portugal. Encarada como um elemento acessório e decorativo, não é por isso de espantar que, em contextos de campanha eleitoral como o que agora atravessamos, os candidatos das diferentes forças políticas se abstenham de se pronunciar sobre o assunto, convictos de que não se ganham (nem se perdem) votos por tão irrelevante matéria.
O recente debate entre os candidatos pelo distrito de Coimbra, organizado pela Pro Urbe, foi apenas mais um exemplo desta realidade. Interpelados directamente sobre o papel que atribuem às políticas culturais nas suas estratégias de desenvolvimento (locais e nacionais), a quase totalidade dos candidatos optou por não se pronunciar, concentrando-se nos dossiês mais polémicos e mediáticos (a co-incineração, o traçado do TGV, a naturalidade dos cabeças de lista…) ou em considerações vagas e banais sobre o desemprego crescente, a fragilidade do tecido económico, as insuficiências do serviço nacional de saúde.
Não questionamos a relevância destes e dos outros temas que tradicionalmente estruturam a discussão sobre as políticas públicas e a intervenção do Estado. São certamente importantes e merecem de todos os cidadãos uma análise atenta na hora de traçar diagnósticos e de escolher os seus representantes. Parece-nos, no entanto, que um outro olhar sobre as questões culturais pode precisamente contribuir para encontrar novas soluções, no quadro global de uma intervenção que ultrapasse o nível da mera e mais ou menos cíclica retórica.
Alcançado o reconhecimento formal do direito dos cidadãos à prática e fruição culturais (não há tanto tempo assim), este nunca passou, na verdade, de um direito menor na demagogicamente inquestionável hierarquia das necessidades humanas – o pão, a habitação, a saúde, a educação, o emprego. Por preconceitos ideológicos (que atravessam, aliás, todo o espectro político), em alguns casos; por pura ignorância e falta de visão dos responsáveis políticos, quase sempre.
Ao empenhar-se na defesa do papel central que as políticas culturais devem desempenhar no desenvolvimento do país, o grupo da Cultura do Conselho da Cidade de Coimbra (CCC) não o faz só por princípio. Sabemos (e diversos estudos e experiências, em Portugal e no estrangeiro, têm-no demonstrado cabalmente) que uma aposta estruturada e consistente em matéria de políticas culturais, desligada da pressão do curto prazo e da vertigem eleitoralista, produz resultados extraordinários em todas as outras áreas: na melhoria da qualidade de vida, no combate à desertificação, na melhoria dos níveis do sucesso escolar, na qualificação das populações, no número e qualidade dos postos de trabalho, na dinamização da actividade económica, no fortalecimento dos laços identitários e de integração da comunidade, no desenvolvimento, em suma, das cidades, das regiões e do país.
Coimbra – dizemo-lo há anos – reúne todas as condições para ser um exemplo a nível nacional nesta alteração do paradigma de intervenção pública. O debate da Pro Urbe veio no entanto confirmar que continua a faltar um elemento essencial: a coragem política.
Neste sentido, e já em plena campanha eleitoral, o Grupo da Cultura do CCC lança publicamente um repto a todas as candidaturas: digam-nos o que pensam sobre a actual situação cultural do distrito de Coimbra; digam-nos em que medida as políticas culturais se integram nas estratégias de desenvolvimento que propõem; digam-nos, por fim, o que podemos esperar da vossa acção em matérias de políticas culturais caso mereçam a confiança dos eleitores.
[texto publicado no Diário de Coimbra, 16/02/2005]
A cultura é um tema tradicionalmente secundarizado na acção política em Portugal. Encarada como um elemento acessório e decorativo, não é por isso de espantar que, em contextos de campanha eleitoral como o que agora atravessamos, os candidatos das diferentes forças políticas se abstenham de se pronunciar sobre o assunto, convictos de que não se ganham (nem se perdem) votos por tão irrelevante matéria.
O recente debate entre os candidatos pelo distrito de Coimbra, organizado pela Pro Urbe, foi apenas mais um exemplo desta realidade. Interpelados directamente sobre o papel que atribuem às políticas culturais nas suas estratégias de desenvolvimento (locais e nacionais), a quase totalidade dos candidatos optou por não se pronunciar, concentrando-se nos dossiês mais polémicos e mediáticos (a co-incineração, o traçado do TGV, a naturalidade dos cabeças de lista…) ou em considerações vagas e banais sobre o desemprego crescente, a fragilidade do tecido económico, as insuficiências do serviço nacional de saúde.
Não questionamos a relevância destes e dos outros temas que tradicionalmente estruturam a discussão sobre as políticas públicas e a intervenção do Estado. São certamente importantes e merecem de todos os cidadãos uma análise atenta na hora de traçar diagnósticos e de escolher os seus representantes. Parece-nos, no entanto, que um outro olhar sobre as questões culturais pode precisamente contribuir para encontrar novas soluções, no quadro global de uma intervenção que ultrapasse o nível da mera e mais ou menos cíclica retórica.
Alcançado o reconhecimento formal do direito dos cidadãos à prática e fruição culturais (não há tanto tempo assim), este nunca passou, na verdade, de um direito menor na demagogicamente inquestionável hierarquia das necessidades humanas – o pão, a habitação, a saúde, a educação, o emprego. Por preconceitos ideológicos (que atravessam, aliás, todo o espectro político), em alguns casos; por pura ignorância e falta de visão dos responsáveis políticos, quase sempre.
Ao empenhar-se na defesa do papel central que as políticas culturais devem desempenhar no desenvolvimento do país, o grupo da Cultura do Conselho da Cidade de Coimbra (CCC) não o faz só por princípio. Sabemos (e diversos estudos e experiências, em Portugal e no estrangeiro, têm-no demonstrado cabalmente) que uma aposta estruturada e consistente em matéria de políticas culturais, desligada da pressão do curto prazo e da vertigem eleitoralista, produz resultados extraordinários em todas as outras áreas: na melhoria da qualidade de vida, no combate à desertificação, na melhoria dos níveis do sucesso escolar, na qualificação das populações, no número e qualidade dos postos de trabalho, na dinamização da actividade económica, no fortalecimento dos laços identitários e de integração da comunidade, no desenvolvimento, em suma, das cidades, das regiões e do país.
Coimbra – dizemo-lo há anos – reúne todas as condições para ser um exemplo a nível nacional nesta alteração do paradigma de intervenção pública. O debate da Pro Urbe veio no entanto confirmar que continua a faltar um elemento essencial: a coragem política.
Neste sentido, e já em plena campanha eleitoral, o Grupo da Cultura do CCC lança publicamente um repto a todas as candidaturas: digam-nos o que pensam sobre a actual situação cultural do distrito de Coimbra; digam-nos em que medida as políticas culturais se integram nas estratégias de desenvolvimento que propõem; digam-nos, por fim, o que podemos esperar da vossa acção em matérias de políticas culturais caso mereçam a confiança dos eleitores.
opinião
Coimbra Capital Nacional da Cultura 2003: aproveitar as “lições” do passado
João Paulo Dias
[Outubro de 2003]
O projecto de Coimbra Capital Nacional da Cultura 2003 (CCNC) foi lançado pelo então Ministro da Cultura José Sasportes no encontro A Cultura em Coimbra (Janeiro de 2001), organizado pelo Grupo de Cultura da Pro Urbe, nas sessões preparatórias do Congresso de Coimbra. Este encontro, que gerou bastante polémica, embora, nalgumas situações, por más razões (provincianismo, ignorância ou má-fé), permitiu, desde logo, identificar as grandes carências em termos culturais da cidade de Coimbra, que aqui recordo sinteticamente: infra-estruturas limitadas e deficientemente apetrechadas; programação descoordenada e estratégia de apoios pouco clara e desequilibrada; e dificuldades de captação de novos públicos e de divulgação dos eventos.
Da CCNC não se esperava, logicamente, a resolução destes problemas, mas antes que contribuísse para a tomada de consciência dos responsáveis sobre a importância, em termos económicos, sociais, culturais e mesmo políticos, que este sector pode e deve ter em Coimbra. O impulso que a CCNC veio dar, na dinâmica cultural e no debate público, é indesmentível, ainda que a “linha orientadora” deste evento nunca tivesse sido definida. No entanto, também permitiu “pôr a nu” as dificuldades que tinham sido inventariadas e que, entretanto, ainda não foram resolvidas. Senão vejamos. No que respeita a infra-estruturas culturais, Coimbra ganhou o Centro de Artes Visuais e a Oficina Municipal do Teatro (bem como o futuro teatro no Pátio da Inquisição e o Pavilhão de Hannover), mas a realidade diz-nos que os grandes eventos continuam a ficar à porta, isto é, de uma situação de carência geral de espaços, arriscamo-nos a ter demasiados pequenos espaços e nenhum grande espaço. Além disso, estes projectos são de iniciativa da Câmara Municipal de Coimbra, tendo surgido sem qualquer coordenação com a CCNC. Falta, contudo, garantir os meios humanos e financeiros necessários, assim como projectos claros e abertos ao(s) público(s), para que estes espaços tenham uma existência estável e garantam a vitalidade que todos esperamos. Esperemos que a CCNC deixe, entretanto, as “raízes” de um projecto estruturante a este nível.
A programação e divulgação cultural era o segundo problema levantado. Neste âmbito, a CCNC veio trazer um grande dinamismo, com uma programação de qualidade, embora com alguns desequilíbrios, assegurando um ano rico e diversificado. Contudo, fica a dúvida do que acontecerá nos próximos anos. Isto é, não havendo uma aposta estratégica na consolidação de projectos locais (profissionalização, fixação de recursos humanos, diversificação de financiadores), na coordenação de entidades em termos de programação e na inclusão de Coimbra, de forma sustentável, nos circuitos nacionais e internacionais (em parte, pelas dificuldades atrás apontadas), torna-se difícil prever futuro melhor do que sucedeu no Porto no pós-2001. Além disso, parece excessivo o protagonismo da CCNC ao incluir na sua programação actividades que ocorrem com regularidade, de modo a “encher” o seu calendário. A forma pouco clara como foi construída a programação, sem um grande concurso público, à imagem do que sucede com as políticas de financiamento cultural das várias entidades em Coimbra, também contribui para que as opções tomadas sejam questionáveis. A opção por “programar” em vez de “desenvolver” pode, assim, ter consequências nefastas. Esperemos que não.
O terceiro constrangimento pode ser o que se supere com mais facilidade, dada a resposta do(s) público(s) aos eventos culturais que vêm sendo apresentados em Coimbra. Com efeito, a prova de que Coimbra suporta e aspira a actividades culturais com qualidade, mesmo acontecendo num ritmo elevado, é a afluência do público (onde se nota o surgimento de públicos diversificados). Havendo uma divulgação mais forte e cuidada, como sucede com a CCNC, a resposta do público a uma maior qualidade e diversidade cultural tem sido clara e inequívoca. Esta situação prova que Coimbra pode e deve ter, mais e melhores, infra-estruturas e recursos humanos e financeiros para a cultura, podendo a cultura tornar-se, inclusivamente, um forte motor de desenvolvimento económico que complemente a acção da Universidade e do sector da saúde compensando a falta de dinâmica do sector empresarial. Quanto à divulgação dos eventos culturais, não fosse a estratégia integradora da CCNC na sua programação, e continuaríamos com a “pulverização” habitual de eventos mal divulgados. Esperemos que este exemplo seja tido em consideração no pós-CCNC.
Desejamos, por fim, que aquando da realização do debate de reflexão, em Janeiro de 2004, pelo Grupo de Cultura do Conselho da Cidade, denominado “E depois da Festa?” as respostas a estas dúvidas estejam dissipadas, e que permitam, se não resolver os problemas no imediato, pelo menos contribuir para a sua resolução a médio prazo. Esperemos, então, que aprenda com as “lições” do passado, pois Coimbra está a provar que merece mais e melhor cultura. Assim seja!
João Paulo Dias
[Outubro de 2003]
O projecto de Coimbra Capital Nacional da Cultura 2003 (CCNC) foi lançado pelo então Ministro da Cultura José Sasportes no encontro A Cultura em Coimbra (Janeiro de 2001), organizado pelo Grupo de Cultura da Pro Urbe, nas sessões preparatórias do Congresso de Coimbra. Este encontro, que gerou bastante polémica, embora, nalgumas situações, por más razões (provincianismo, ignorância ou má-fé), permitiu, desde logo, identificar as grandes carências em termos culturais da cidade de Coimbra, que aqui recordo sinteticamente: infra-estruturas limitadas e deficientemente apetrechadas; programação descoordenada e estratégia de apoios pouco clara e desequilibrada; e dificuldades de captação de novos públicos e de divulgação dos eventos.
Da CCNC não se esperava, logicamente, a resolução destes problemas, mas antes que contribuísse para a tomada de consciência dos responsáveis sobre a importância, em termos económicos, sociais, culturais e mesmo políticos, que este sector pode e deve ter em Coimbra. O impulso que a CCNC veio dar, na dinâmica cultural e no debate público, é indesmentível, ainda que a “linha orientadora” deste evento nunca tivesse sido definida. No entanto, também permitiu “pôr a nu” as dificuldades que tinham sido inventariadas e que, entretanto, ainda não foram resolvidas. Senão vejamos. No que respeita a infra-estruturas culturais, Coimbra ganhou o Centro de Artes Visuais e a Oficina Municipal do Teatro (bem como o futuro teatro no Pátio da Inquisição e o Pavilhão de Hannover), mas a realidade diz-nos que os grandes eventos continuam a ficar à porta, isto é, de uma situação de carência geral de espaços, arriscamo-nos a ter demasiados pequenos espaços e nenhum grande espaço. Além disso, estes projectos são de iniciativa da Câmara Municipal de Coimbra, tendo surgido sem qualquer coordenação com a CCNC. Falta, contudo, garantir os meios humanos e financeiros necessários, assim como projectos claros e abertos ao(s) público(s), para que estes espaços tenham uma existência estável e garantam a vitalidade que todos esperamos. Esperemos que a CCNC deixe, entretanto, as “raízes” de um projecto estruturante a este nível.
A programação e divulgação cultural era o segundo problema levantado. Neste âmbito, a CCNC veio trazer um grande dinamismo, com uma programação de qualidade, embora com alguns desequilíbrios, assegurando um ano rico e diversificado. Contudo, fica a dúvida do que acontecerá nos próximos anos. Isto é, não havendo uma aposta estratégica na consolidação de projectos locais (profissionalização, fixação de recursos humanos, diversificação de financiadores), na coordenação de entidades em termos de programação e na inclusão de Coimbra, de forma sustentável, nos circuitos nacionais e internacionais (em parte, pelas dificuldades atrás apontadas), torna-se difícil prever futuro melhor do que sucedeu no Porto no pós-2001. Além disso, parece excessivo o protagonismo da CCNC ao incluir na sua programação actividades que ocorrem com regularidade, de modo a “encher” o seu calendário. A forma pouco clara como foi construída a programação, sem um grande concurso público, à imagem do que sucede com as políticas de financiamento cultural das várias entidades em Coimbra, também contribui para que as opções tomadas sejam questionáveis. A opção por “programar” em vez de “desenvolver” pode, assim, ter consequências nefastas. Esperemos que não.
O terceiro constrangimento pode ser o que se supere com mais facilidade, dada a resposta do(s) público(s) aos eventos culturais que vêm sendo apresentados em Coimbra. Com efeito, a prova de que Coimbra suporta e aspira a actividades culturais com qualidade, mesmo acontecendo num ritmo elevado, é a afluência do público (onde se nota o surgimento de públicos diversificados). Havendo uma divulgação mais forte e cuidada, como sucede com a CCNC, a resposta do público a uma maior qualidade e diversidade cultural tem sido clara e inequívoca. Esta situação prova que Coimbra pode e deve ter, mais e melhores, infra-estruturas e recursos humanos e financeiros para a cultura, podendo a cultura tornar-se, inclusivamente, um forte motor de desenvolvimento económico que complemente a acção da Universidade e do sector da saúde compensando a falta de dinâmica do sector empresarial. Quanto à divulgação dos eventos culturais, não fosse a estratégia integradora da CCNC na sua programação, e continuaríamos com a “pulverização” habitual de eventos mal divulgados. Esperemos que este exemplo seja tido em consideração no pós-CCNC.
Desejamos, por fim, que aquando da realização do debate de reflexão, em Janeiro de 2004, pelo Grupo de Cultura do Conselho da Cidade, denominado “E depois da Festa?” as respostas a estas dúvidas estejam dissipadas, e que permitam, se não resolver os problemas no imediato, pelo menos contribuir para a sua resolução a médio prazo. Esperemos, então, que aprenda com as “lições” do passado, pois Coimbra está a provar que merece mais e melhor cultura. Assim seja!
opinião
A insustentável cultura do Dr. Mário Nunes:
e agora, Dr. Carlos Encarnação?
[texto publicado no Diário de Coimbra de 29/12/2005]
O Conselho da Cidade repudia, vivamente, as recentes declarações do senhor Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Coimbra, Dr. Mário Nunes, ao queixar-se de “protocolos gravosos” que recebeu em herança.
Independentemente da lamentável falta de rigor com que se referiu à questão dos apoios municipais ao sector da Cultura, aquilo que mais nos fere, embora infelizmente não nos surpreenda, é a completa ausência de um pensamento sobre a Coisa Cultural. Pior: não demonstrando ter uma ideia minimamente estruturada acerca da área autárquica pela qual é responsável, o Dr. Mário Nunes coloca aos seus interlocutores a enorme dificuldade que é a de estes correrem o risco de ficar a falar sozinhos, porque em vez de um argumento, de um projecto, de um pensamento — por limitado que fosse — que se lhes opusesse, aquilo que eles encontram é um grandioso vazio, espécie de buraco negro para onde o senhor vereador atirou a Cultura para se ver livre dela.
Os destinatários das queixas “gravosas” do Dr. Mário Nunes hão-de explicar-lhe, pacientemente e com palavras simples, a enormidade do seu equívoco.
Ao Grupo da Cultura do Conselho da Cidade cabe manifestar a sua estranheza pelo facto de o Senhor Vereador da Cultura aceitar os cortes orçamentais da sua área sem um pio de protesto ou de incomodidade. Porque ao reduzir à mínima expressão, ou ao insulto gratuito, o universo cultural, o Dr. Mário Nunes está a praticar um crime de lesa-Coimbra. Ora, é preciso que alguém exterior ao Executivo municipal lhe diga isso, porquanto tudo indica que os seus companheiros da maioria que governa a cidade estavam distraídos quando ele interveio. Têm a seu favor, é claro, o facto de o conhecerem e por isso saberem que as suas intervenções vazias apenas servem para preencher o tempo e desgastar a oposição. Mas desta vez o Senhor Vereador passou das marcas e, embora a época natalícia seja propícia à benevolência, não podemos, por imperativos de consciência, fechar os olhos e fazer de conta que não se passou nada.
Coimbra, diz o Senhor Presidente da Câmara, é a “cidade do conhecimento”. Em que sentido, perguntamos nós, quando vemos a atribuição de uma das mais importantes e estratégicas pastas autárquicas confiada a uma pessoa incapaz e incompetente para o desempenho das funções que ocupa? Ponhamos a questão nestes moldes: que ideia teve, que projecto lançou o Dr. Mário Nunes que tenha colocado Coimbra no mapa cultural do País? Que estratégia de médio e longo prazo tem ele para o sector, capaz de prestigiar a cidade, o concelho, a região? O Senhor Vereador faz alguma ideia do modo como a Cultura é vista e praticada nas cidades modernas e do lugar que ocupa nos destinos municipais?
Reduzir a expressão cultural às manifestações “folclóricas” é a mesma coisa que defender o encerramento da Universidade, porque o dinheiro para a Educação já não chega para pôr os Liceus a funcionar como deviam; É estar contra a investigação enquanto houver pessoas que não saibam ler e escrever; É achar que a Cultura (ou as indústrias culturais) não é um sector vital das sociedades dos nossos dias; É não entender que a marca diferenciadora de Coimbra passa pela Cultura, mas vendo-a e tratando-a de acordo com o tempo que vivemos: a contemporaneidade.
Há em toda esta situação, no entanto, uma armadilha em que não caímos: considerar o Vereador como inimputável e continuar alegremente na espiral da desresponsabilização a que nos têm habituado os sucessivos governantes locais desta cidade.
A substituição do Vereador da Cultura, que obviamente e com justa causa se impõe, já não é suficiente.
Exige-se do Presidente da Câmara uma clarificação da sua própria posição quanto ao papel que atribui à cultura no seu projecto para a cidade.
Se continuar calado, confirmará as nossas piores suspeitas: o discurso e a prática do Dr. Mário Nunes merecem, afinal, a concordância do Dr. Carlos Encarnação.
e agora, Dr. Carlos Encarnação?
[texto publicado no Diário de Coimbra de 29/12/2005]
O Conselho da Cidade repudia, vivamente, as recentes declarações do senhor Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Coimbra, Dr. Mário Nunes, ao queixar-se de “protocolos gravosos” que recebeu em herança.
Independentemente da lamentável falta de rigor com que se referiu à questão dos apoios municipais ao sector da Cultura, aquilo que mais nos fere, embora infelizmente não nos surpreenda, é a completa ausência de um pensamento sobre a Coisa Cultural. Pior: não demonstrando ter uma ideia minimamente estruturada acerca da área autárquica pela qual é responsável, o Dr. Mário Nunes coloca aos seus interlocutores a enorme dificuldade que é a de estes correrem o risco de ficar a falar sozinhos, porque em vez de um argumento, de um projecto, de um pensamento — por limitado que fosse — que se lhes opusesse, aquilo que eles encontram é um grandioso vazio, espécie de buraco negro para onde o senhor vereador atirou a Cultura para se ver livre dela.
Os destinatários das queixas “gravosas” do Dr. Mário Nunes hão-de explicar-lhe, pacientemente e com palavras simples, a enormidade do seu equívoco.
Ao Grupo da Cultura do Conselho da Cidade cabe manifestar a sua estranheza pelo facto de o Senhor Vereador da Cultura aceitar os cortes orçamentais da sua área sem um pio de protesto ou de incomodidade. Porque ao reduzir à mínima expressão, ou ao insulto gratuito, o universo cultural, o Dr. Mário Nunes está a praticar um crime de lesa-Coimbra. Ora, é preciso que alguém exterior ao Executivo municipal lhe diga isso, porquanto tudo indica que os seus companheiros da maioria que governa a cidade estavam distraídos quando ele interveio. Têm a seu favor, é claro, o facto de o conhecerem e por isso saberem que as suas intervenções vazias apenas servem para preencher o tempo e desgastar a oposição. Mas desta vez o Senhor Vereador passou das marcas e, embora a época natalícia seja propícia à benevolência, não podemos, por imperativos de consciência, fechar os olhos e fazer de conta que não se passou nada.
Coimbra, diz o Senhor Presidente da Câmara, é a “cidade do conhecimento”. Em que sentido, perguntamos nós, quando vemos a atribuição de uma das mais importantes e estratégicas pastas autárquicas confiada a uma pessoa incapaz e incompetente para o desempenho das funções que ocupa? Ponhamos a questão nestes moldes: que ideia teve, que projecto lançou o Dr. Mário Nunes que tenha colocado Coimbra no mapa cultural do País? Que estratégia de médio e longo prazo tem ele para o sector, capaz de prestigiar a cidade, o concelho, a região? O Senhor Vereador faz alguma ideia do modo como a Cultura é vista e praticada nas cidades modernas e do lugar que ocupa nos destinos municipais?
Reduzir a expressão cultural às manifestações “folclóricas” é a mesma coisa que defender o encerramento da Universidade, porque o dinheiro para a Educação já não chega para pôr os Liceus a funcionar como deviam; É estar contra a investigação enquanto houver pessoas que não saibam ler e escrever; É achar que a Cultura (ou as indústrias culturais) não é um sector vital das sociedades dos nossos dias; É não entender que a marca diferenciadora de Coimbra passa pela Cultura, mas vendo-a e tratando-a de acordo com o tempo que vivemos: a contemporaneidade.
Há em toda esta situação, no entanto, uma armadilha em que não caímos: considerar o Vereador como inimputável e continuar alegremente na espiral da desresponsabilização a que nos têm habituado os sucessivos governantes locais desta cidade.
A substituição do Vereador da Cultura, que obviamente e com justa causa se impõe, já não é suficiente.
Exige-se do Presidente da Câmara uma clarificação da sua própria posição quanto ao papel que atribui à cultura no seu projecto para a cidade.
Se continuar calado, confirmará as nossas piores suspeitas: o discurso e a prática do Dr. Mário Nunes merecem, afinal, a concordância do Dr. Carlos Encarnação.
opinião
A tentação do efémero
[Outubro de 2004]
[Outubro de 2004]
A programação e a animação cultural da cidade de Coimbra têm sido marcadas, nos últimos tempos, por um grande número de eventos pontuais, em diversas áreas e de dimensão e ambição muito variáveis – o Festival 10 de Junho (que se esgotou na primeira edição), os concertos estivais no Jardim da Sereia, as óperas no Pátio das Escolas, o concerto dos Rolling Stones, o Festival de Pirotecnia, o Coimbra Dança, o Festival de Gaiteiros, entre tantos outros.
Independentemente da qualidade e do interesse cultural de cada uma destas iniciativas, que haverá que avaliar em cada caso concreto, interessa-nos discutir a tendência crescente para a aposta neste tipo de eventos por parte do actual executivo da Câmara Municipal de Coimbra. Este debate é especialmente importante num contexto em que os principais agentes culturais da cidade, tanto na área da criação como da programação, estão longe de ter alcançado um patamar mínimo de estabilidade para desenvolver o seu trabalho e continuam a ter enormes dificuldades até para receber atempadamente os financiamentos protocolados com a autarquia.
Trata-se, em nosso entender, de uma estratégia de vistas curtas, realizada a pensar mais na espectacularidade do momento do que na construção de uma política sustentada de desenvolvimento cultural a médio prazo.
Não é dificil reconhecer que estes eventos, pelo seu carácter excepcional e festivo e pelo mediatismo que os envolve, podem ser especialmente atractivos para públicos e eventuais financiadores. Mas estão por demonstrar os efeitos dessa atracção pontual na consolidação de correntes de público regulares ou na agilização de parcerias estáveis entre criadores, mecenas e autarquias. Pelo contrário, e sobretudo quando são planificados ou concretizados sem qualquer ligação à realidade cultural da comunidade, acabam por funcionar numa lógica concorrencial aos agentes, aos projectos e às iniciativas culturais locais.
Apetecíveis aos decisores políticos por serem vendidos como produto acabado, sem implicar outros compromissos para além da emissão de um cheque, estes eventos são também, do ponto de vista da mera racionalidade económica, pouco sustentáveis. Na maior parte dos casos, eles implicam a concepção, construção e montagem de estruturas (efémeras) propositadamente para o efeito, implicam significativos gastos de deslocação e alojamento e a constituição de equipas técnicas e de produção para cada um deles, implicam pacotes publicitários específicos, acabando por não rentabilizar os recursos e o know-how existentes na cidade.
A opção por centrar a estratégia cultural neste tipo de acontecimentos justifica-se em vilas ou cidades onde o tecido cultural é ainda incipiente e é absolutamente fundamental promover o contacto da população com as diferentes formas artísticas, alargando o leque de alternativas e colocando à disposição do público espectáculos e iniciativas às quais, de outra forma, não teriam acesso. Estão nesta situação a maior parte das localidades portuguesas onde não existem estruturas profissionais de criação ou programação artística e cujos calendários culturais anuais se esgotam em festivais, mostras, encontros ou outros eventos do género.
Esta opção poderá igualmente justificar-se em cidades que estão no extremo oposto, com um leque de agentes culturais bem estruturado e consolidado, assumindo aí um carácter claramente complementar, em áreas marginais ou com o propósito explícito de acolher criações internacionais. Talvez Lisboa, no contexto português, se aproxime desta realidade.
Para o bem e para o mal, Coimbra não se situa em nenhum destes casos. Por um lado, tem estruturas de criação artística próprias, tem equipamentos habilitados para a realização de uma programação regular durante todo o ano, tem correntes de público já criadas. Por outro lado, no entanto, apresenta um tecido cultural ainda frágil e vulnerável, tanto ao nível da oferta como da procura: as estruturas de criação mantêm-se ao nível da mera sobrevivência, os equipamentos surgem a um ritmo incompreensivelmente lento e sem que se vislumbrem estratégias de gestão e programação consistentes, continua a saber-se demasiado pouco sobre os públicos da cultura na cidade e na região e as iniciativas de sensibilização e de captação de novos espectadores são escassas e desarticuladas.
Há naturalmente espaço para que Coimbra acolha e promova a realização de festivais e eventos extraordinários. Assim eles tragam algo de novo à cidade, contribuam para a sua distinção no contexto nacional e internacional e rentabilizem os recursos humanos, artísticos, técnicos e materiais aqui existentes nas diferentes áreas artísticas, ao invés de se limitarem a importar fórmulas gastas e copiadas de outros locais. O que não nos parece é que isso deva ser o elemento central da estratégia de desenvolvimento cultural, numa fase em que a crise económica e a necessidade de contenção orçamental servem de álibi para a asfixia dos agentes culturais de Coimbra.
Retornamos, pois, às velhas distinções entre forma e conteúdo, entre o efémero e o duradouro, entre o fugaz e o consistente, entre as vistas curtas e a visão estratégica. É já claro que a Capital da Cultura não foi aproveitada para clarificar estas dicotomias. Pelo contrário, com a proliferação de “primeiros festivais” incluídos na sua programação (dos quais muito poucos tinham assegurada qualquer hipótese de continuidade), ela foi uma espécie de mãe de todos os festivais, deixando como herança – e, sobretudo, legitimando – esta forma de fazer cultura.
O que está em causa nem é tanto o acolhimento desta ou daquela iniciativa, mesmo quando cada uma delas absorve tanto ou mais que o investimento anual da Câmara Municipal nas estruturas da cidade. Preocupa-nos sobretudo o facto de não serem perceptíveis os critérios subjacentes às escolhas efectuadas, bem como a circunstância de estas – tratadas de uma forma avulsa e descoordenada –, não se enquadrarem em nenhuma estratégia ou política cultural para a cidade, que continuamos a não descortinar e cuja inexistência não é disfarçável com fogachos de ocasião.
Tal como afirmámos há alguns meses atrás, na sequência do debate “Coimbra 2003: e depois da festa?”, acreditamos que a cidade merece a definição de uma estratégia de desenvolvimento cultural, assente em cinco pilares essenciais: formação; recuperação e valorização do vasto património que a distingue nacional e internacionalmente; criação de equipamentos culturais qualificados (prevendo atempadamente os respectivos programas de ocupação e gestão); criação de condições de estabilidade para as estruturas profissionais de criação e programação; articulação e diálogo permanente entre poderes públicos, sector privado e agentes culturais, numa perspectiva cooperante e de complementaridade.
A organização de eventos pontuais de média ou grande escala pode naturalmente fazer parte desta estratégia: pode servir para dinamizar áreas deficitárias ao nível da produção artística na cidade, pode sensibilizar, captar e fidelizar novos públicos, pode permitir o acolhimento de espectáculos e artistas que de outra forma não passariam por Coimbra, pode dinamizar o funcionamento de redes (nacionais e internacionais), nas quais Coimbra participe de uma forma activa. Mas é fundamental considerar esta vertente da política cultural como parte de um todo integrado e coerente, sem cair na tentação de nos limitarmos a ela. A não ser assim, como infelizmente tem sido o caso, ficamo-nos somente pela festa – fugaz, efémera e cara, ainda por cima.
Trata-se de escolher a cidade que queremos. Podemos ser uma cidade criativa, onde os agentes culturais aqui sediados têm condições para desenvolver o seu trabalho e imprimir dinamismo (cultural e económico), onde se cria um mercado sustentado, aberto a novas propostas e novos projectos, onde os diferentes públicos têm à sua disposição diferentes ofertas, uma cidade capaz de atrair e formar novos profissionais, uma cidade, em suma, que tem coisas a dizer e a apresentar ao exterior. Ou podemos ser, pelo contrário, uma cidade conformada, onde se reduzem os agentes culturais locais ao miserabilismo das tesourarias públicas, onde a Câmara Municipal se assume como principal programador e onde se condena o público a assistir a fórmulas pré-compradas, incaracterísticas e inconsequentes.
Pela nossa parte, a escolha é clara.
Independentemente da qualidade e do interesse cultural de cada uma destas iniciativas, que haverá que avaliar em cada caso concreto, interessa-nos discutir a tendência crescente para a aposta neste tipo de eventos por parte do actual executivo da Câmara Municipal de Coimbra. Este debate é especialmente importante num contexto em que os principais agentes culturais da cidade, tanto na área da criação como da programação, estão longe de ter alcançado um patamar mínimo de estabilidade para desenvolver o seu trabalho e continuam a ter enormes dificuldades até para receber atempadamente os financiamentos protocolados com a autarquia.
Trata-se, em nosso entender, de uma estratégia de vistas curtas, realizada a pensar mais na espectacularidade do momento do que na construção de uma política sustentada de desenvolvimento cultural a médio prazo.
Não é dificil reconhecer que estes eventos, pelo seu carácter excepcional e festivo e pelo mediatismo que os envolve, podem ser especialmente atractivos para públicos e eventuais financiadores. Mas estão por demonstrar os efeitos dessa atracção pontual na consolidação de correntes de público regulares ou na agilização de parcerias estáveis entre criadores, mecenas e autarquias. Pelo contrário, e sobretudo quando são planificados ou concretizados sem qualquer ligação à realidade cultural da comunidade, acabam por funcionar numa lógica concorrencial aos agentes, aos projectos e às iniciativas culturais locais.
Apetecíveis aos decisores políticos por serem vendidos como produto acabado, sem implicar outros compromissos para além da emissão de um cheque, estes eventos são também, do ponto de vista da mera racionalidade económica, pouco sustentáveis. Na maior parte dos casos, eles implicam a concepção, construção e montagem de estruturas (efémeras) propositadamente para o efeito, implicam significativos gastos de deslocação e alojamento e a constituição de equipas técnicas e de produção para cada um deles, implicam pacotes publicitários específicos, acabando por não rentabilizar os recursos e o know-how existentes na cidade.
A opção por centrar a estratégia cultural neste tipo de acontecimentos justifica-se em vilas ou cidades onde o tecido cultural é ainda incipiente e é absolutamente fundamental promover o contacto da população com as diferentes formas artísticas, alargando o leque de alternativas e colocando à disposição do público espectáculos e iniciativas às quais, de outra forma, não teriam acesso. Estão nesta situação a maior parte das localidades portuguesas onde não existem estruturas profissionais de criação ou programação artística e cujos calendários culturais anuais se esgotam em festivais, mostras, encontros ou outros eventos do género.
Esta opção poderá igualmente justificar-se em cidades que estão no extremo oposto, com um leque de agentes culturais bem estruturado e consolidado, assumindo aí um carácter claramente complementar, em áreas marginais ou com o propósito explícito de acolher criações internacionais. Talvez Lisboa, no contexto português, se aproxime desta realidade.
Para o bem e para o mal, Coimbra não se situa em nenhum destes casos. Por um lado, tem estruturas de criação artística próprias, tem equipamentos habilitados para a realização de uma programação regular durante todo o ano, tem correntes de público já criadas. Por outro lado, no entanto, apresenta um tecido cultural ainda frágil e vulnerável, tanto ao nível da oferta como da procura: as estruturas de criação mantêm-se ao nível da mera sobrevivência, os equipamentos surgem a um ritmo incompreensivelmente lento e sem que se vislumbrem estratégias de gestão e programação consistentes, continua a saber-se demasiado pouco sobre os públicos da cultura na cidade e na região e as iniciativas de sensibilização e de captação de novos espectadores são escassas e desarticuladas.
Há naturalmente espaço para que Coimbra acolha e promova a realização de festivais e eventos extraordinários. Assim eles tragam algo de novo à cidade, contribuam para a sua distinção no contexto nacional e internacional e rentabilizem os recursos humanos, artísticos, técnicos e materiais aqui existentes nas diferentes áreas artísticas, ao invés de se limitarem a importar fórmulas gastas e copiadas de outros locais. O que não nos parece é que isso deva ser o elemento central da estratégia de desenvolvimento cultural, numa fase em que a crise económica e a necessidade de contenção orçamental servem de álibi para a asfixia dos agentes culturais de Coimbra.
Retornamos, pois, às velhas distinções entre forma e conteúdo, entre o efémero e o duradouro, entre o fugaz e o consistente, entre as vistas curtas e a visão estratégica. É já claro que a Capital da Cultura não foi aproveitada para clarificar estas dicotomias. Pelo contrário, com a proliferação de “primeiros festivais” incluídos na sua programação (dos quais muito poucos tinham assegurada qualquer hipótese de continuidade), ela foi uma espécie de mãe de todos os festivais, deixando como herança – e, sobretudo, legitimando – esta forma de fazer cultura.
O que está em causa nem é tanto o acolhimento desta ou daquela iniciativa, mesmo quando cada uma delas absorve tanto ou mais que o investimento anual da Câmara Municipal nas estruturas da cidade. Preocupa-nos sobretudo o facto de não serem perceptíveis os critérios subjacentes às escolhas efectuadas, bem como a circunstância de estas – tratadas de uma forma avulsa e descoordenada –, não se enquadrarem em nenhuma estratégia ou política cultural para a cidade, que continuamos a não descortinar e cuja inexistência não é disfarçável com fogachos de ocasião.
Tal como afirmámos há alguns meses atrás, na sequência do debate “Coimbra 2003: e depois da festa?”, acreditamos que a cidade merece a definição de uma estratégia de desenvolvimento cultural, assente em cinco pilares essenciais: formação; recuperação e valorização do vasto património que a distingue nacional e internacionalmente; criação de equipamentos culturais qualificados (prevendo atempadamente os respectivos programas de ocupação e gestão); criação de condições de estabilidade para as estruturas profissionais de criação e programação; articulação e diálogo permanente entre poderes públicos, sector privado e agentes culturais, numa perspectiva cooperante e de complementaridade.
A organização de eventos pontuais de média ou grande escala pode naturalmente fazer parte desta estratégia: pode servir para dinamizar áreas deficitárias ao nível da produção artística na cidade, pode sensibilizar, captar e fidelizar novos públicos, pode permitir o acolhimento de espectáculos e artistas que de outra forma não passariam por Coimbra, pode dinamizar o funcionamento de redes (nacionais e internacionais), nas quais Coimbra participe de uma forma activa. Mas é fundamental considerar esta vertente da política cultural como parte de um todo integrado e coerente, sem cair na tentação de nos limitarmos a ela. A não ser assim, como infelizmente tem sido o caso, ficamo-nos somente pela festa – fugaz, efémera e cara, ainda por cima.
Trata-se de escolher a cidade que queremos. Podemos ser uma cidade criativa, onde os agentes culturais aqui sediados têm condições para desenvolver o seu trabalho e imprimir dinamismo (cultural e económico), onde se cria um mercado sustentado, aberto a novas propostas e novos projectos, onde os diferentes públicos têm à sua disposição diferentes ofertas, uma cidade capaz de atrair e formar novos profissionais, uma cidade, em suma, que tem coisas a dizer e a apresentar ao exterior. Ou podemos ser, pelo contrário, uma cidade conformada, onde se reduzem os agentes culturais locais ao miserabilismo das tesourarias públicas, onde a Câmara Municipal se assume como principal programador e onde se condena o público a assistir a fórmulas pré-compradas, incaracterísticas e inconsequentes.
Pela nossa parte, a escolha é clara.
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